Democracia Directa - para uma definição operacional
O
aqui definido deve ser entendido como correspondendo a uma total
recusa do actual regime político que se tem revelado reaccionário,
oligárquico, corrupto e empobrecedor. No contexto de uma democracia
representativa falhada e ilegítima, urge e entende-se como única
postura digna, coerente e libertadora, a vigência de uma verdadeira
democracia – a democracia directa – .
Por
coerência e imperativo prático, deixa então de fazer qualquer
sentido no actual quadro político e social, com os denominados
representantes a representarem uma minoria substancial de cidadãos,
tendo como primado, o enfileiramento na disciplina do directório
partidário, num tecido eleitoral onde a abstenção sai vitoriosa –
na generalidade com maiorias absolutas – , iniciativas legislativas
populares, referendos locais e nacionais etc., estes últimos
previstos com evidentes e demasiadas cautelas na Constituição da
República Portuguesa (CRP) e permeabilizados pela constante
subversão, instrumentalização e monopolização do poder político
vigente, com fortes traços de oligarquismo e nepotismo,
metamorfoseando deste modo plenipotenciário, mecanismos de
democracia directa que deveriam estar umbilicalmente ligados à plena
participação dos cidadãos no processo da tomada da decisão
política.
O
evidente descrédito dos partidos políticos tem como principais
causas o empobrecimento colectivo, a baixíssima natalidade, a
precariedade laboral e na vida, com os governos a serem muito
criativos em reduzir (em termos reais) rendimentos e em aumentarem a
carga fiscal, mostrando-se ainda incapazes de organizar adequadamente
todos os sectores com maior relevância na vivência colectiva –
saúde, educação, segurança social, transportes, habitação.
A
partidocracia à portuguesa minou os alicerces da sua própria
democracia representativa, onde verificamos deputados a legislarem em
causa própria – nomeadamente no caso das Reformas, locais de
residência e respectivas ajudas de custo, questionáveis e nada
transparentes, acumulação das funções de deputado com outras
profissões etc. – desligados dos representados e dos reais
interesses públicos
mas encarregados de representarem no Parlamento, as ordens do
respectivo directório partidário. Percorrendo caminhos ínvios, a
partidocracia desliga- se da proclamada genuinidade por si atribuída
aos partidos políticos como relevantes actores no vínculo entre o
poder político e os cidadãos. A partidocracia em Portugal e os
partidos políticos que lhe dão abrigo, não fomentam a participação,
potenciam lobbies económicos e financeiros, factos que são fatais
para os regimes democráticos, essencialmente pelo renascer de
perigosos nacionalismos e populismos. Ao arrepio de uma consolidada
sociedade democrática, constata-se actualmente, uma preponderância
dos partidos políticos na vida económica, política e social do
País. As forças partidárias com assento parlamentar em Portugal e
especialmente as do arco do poder – PPD/PSD e PS – de acordo com
os indicadores apresentados, detêm alternadamente a distribuição
de cargos e funções nas principais empresas públicas disseminadas
no nosso território, recebem para as suas actividades políticas
vastos fundos financeiros do erário público, formalizados com três
tipos de financiamento e, contrariamente ao que exigem do comum dos
cidadãos nacionais, especialmente em tempos de austeridade, são
instituições com consideráveis endividamentos, onde as receitas
ficam longe de chegar para as despesas.
A
partidocracia em Portugal tem revelado partidos políticos
inflexíveis e herméticos à sociedade civil, mais institucionais do
que sociais, constituindo-se desta maneira, em obstáculos à
afirmação dos mecanismos de democracia directa em Portugal, na
medida em que o seu monopólio na sociedade portuguesa, leva-os
sibilinamente a temer a intromissão da participação cidadã num
campo que eles consideram tacitamente quase como do seu foro
privativo, instrumentalizando petições, referendos e iniciativas
legislativas populares, consoante os interesses das suas
elites
dirigentes.
Por
outro lado, os governos e a classe política são arrogantes,
colocam-se acima da população, com direitos únicos de decisão,
com todo o espectro mediático ao seu dispor mas, vedado às opiniões
do povo; e, nem sequer se mostram capazes de organizar tecnicamente,
um recenseamento eleitoral, passadas dezenas de anos.
As
esperanças, que depois de 1974 cresceram em flecha – manifestas
pelas mais concorridas e participadas eleições livres por sufrágio
directo e universal decorridas a 25 de Abril de 1975 para a
Assembleia Constituinte, uma no após a Revolução, com uma
afluência às urnas de 91,66% (5.711.829 votantes) dos 6.231.372
cidadãos recenseados –, têm evoluído num sentido decrescente, o
que é espelhado em todos os tipos de eleição, nas enormes
desigualdades e na emigração, numa deterioração gradual nos
contextos ibérico e europeu.
A
Constituição, laboriosamente elaborada para colocar a população à
margem da decisão sobre as suas vidas, mostra-se ultrapassada, no
capítulo do modelo de representação, em todas as vertentes –
nacional, regional, autárquica, e europeia; para além da figura
presidencial, uma reminiscência monárquica, sem utilidade.
Os
actos eleitorais tornaram-se rotinas, que pouco ou nada têm
remediado as condições de
vida, mormente depois da intervenção da troika.
Uma
vez que o regime político se mostra esgotado e desacreditado,
entendemos tipificar elementos para a sua substituição, mormente
através de uma democracia direta moderna e exequível aos tempos
presentes de uma Globalização imparável e desenfreada , apontando
como bases para o seu funcionamento, os seguintes pontos:
1.
Aplicação do princípio da subsidiariedade, segundo o qual, as
decisões sobre a vida colectiva são somente tomadas pelos seus
beneficiários directos. Por exemplo, um infantário é decidido pela
população de uma freguesia mas uma escola secundária, será
decidida pela população de várias freguesias;
2.
Todo e qualquer residente há mais de um ano numa circunscrição
eleitoral tem o direito de se candidatar à representação em
qualquer nível onde essa circunscrição esteja contida;
3.
Qualquer eleição não poderá recair num mesmo elemento mais de
duas vezes;
4.
Não há lugar a candidaturas colectivas;
5.
Qualquer eleito como representante tem os deveres de se informar e
manter informados os seus eleitores, de recolher entre estes uma
súmula do pensamento colectivo, por referendo, se necessário; é
precisamente neste figurino político que a representação legítima
e democrática se pode e deve perfeitamente enquadrar, numa
democracia directa, indo-se ao encontro de relevantes historiadores
do pensamento político entre os quais se destaca aqui o italiano
Norberto Bobbio (1909-2004). Destarte, democracia directa não é
antagónica com a actuação de representantes legitimados como mandatários
do povo. A esta simbiose de duas formas de operacionalização da
democracia, denomina-se nos meandros académicos e políticos, de
democracia semi-directa. Nesse contexto, a democracia directa é
naturalmente, representativa mas a inversa pode não se , tal como
nos referia o supracitado autor, pois se “ nem todo o Estado
representativo é um Estado parlamentar, o Estado parlamentar pode
muito bem não ser uma democracia representativa “ (1997:44) ;
6.
Qualquer eleito, em qualquer instância, pode, a qualquer momento ter
o seu mandato retirado, por referendo organizado para o efeito, na
circunscrição eleitoral que o elegeu;
7.
Existe uma total ausência de imunidades específicas para os
eleitos;
8.
Todos os encargos relacionados com o desempenho de uma representação,
são cobertos pelo erário público afecto à circunscrição em que
o representante foi eleito;
9.
Qualquer elemento, em funções de representação, sobre o qual se
demonstre ter cometido qualquer crime ou irregularidade lesiva da
comunidade, é suspenso/afastado dessas funções; e a sua punição
não tem prazo de prescrição;
10.
A administração pública, a todos os níveis, tem todos os seus
lugares ocupados através de concurso público transparente, integro
e não por nomeação; a meritocracia toma o lugar das nomeações de
carácter questionável, onde é visível a forte influência de
elites e directórios partidários, com relevo para os – ainda –
dois partidos do arco do poder em Portugal.
11.
O acesso à informação contida em qualquer nível da administração
pública está aberto a todos, salvo informações quanto a
concursos, enquanto os mesmos não estiverem concluídos;
12.
Questões de carácter constitucional são resolvidas pelo Supremo
Tribunal de Justiça e, se necessário, submetidas a referendo para
validação (o actual Tribunal Constitucional é uma emanação da
oligarquia partidária);
13.
A representação externa da República caberá ao presidente da AR
em funções (o cargo de PR, é uma figura de utilidade duvidosa,
cara e uma vazia reminiscência monárquica);
14.
O território será dividido em circunscrições eleitorais na ordem
dos 20/25000 eleitores e a cada uma caberá eleger, entre os seus
residentes, um representante na AR;
15.
O governo – ministros (10/15) e secretários (até 2 por cada
ministro) - é escolhido na AR e os seus membros terão de se manter,
paralelamente, em funções como representantes das circunscrições
por onde foram eleitos, com os inerentes direitos e deveres; esta
relevante e honrosa função de legítimo representante democrático,
não se coaduna e não é compatível com qualquer outra actividade
profissional, sendo o deputado reintegrado na sua função/profissão
anterior após terminar o seu/s mandato/s.
16.
A AR terá um staff técnico de apoio aos representantes e ao
governo, em ligação à administração pública e independente do
governo;
17.
O princípio do funcionamento assembleário atrás descrito é válido
também ao nível das freguesias, dos concelhos e das regiões,
passando estas últimas a ter uma definição clara, estável, com
prerrogativas próprias; e não como têm sido, meras extensões do
governo, de configuração variável, alfobre de membros da classe
política e de agilização de negócios;
18.
Dentro deste novo tabuleiro do xadrez político interno, poder-se-á
potenciar a ideia futura, do debate sobre a criação de uma nova
instituição para Portugal: uma Assembleia Nacional de Cidadãos,
constituído por pessoas – uma por circunscrição por exemplo –
de maior idade, competentes, idóneas, responsáveis, candidatos e
posteriormente sorteados e oficialmente nomeados de 2 em 2 anos –
um género de Conselho ou Júri de Cidadãos, conforme preconizado
pelo reputado sociólogo político contemporâneo, o inglês Anthony
Giddens (1938 – ...) – ; a constituição oficial deste organismo
tem como objectivo primeiro, fiscalizar, aferir, a acção e conduta
do poder político em Portugal – seja destes novos representantes
seja do governo – e que pode estar em conflito com as legítimas
aspirações dos cidadãos/ãs portugueses/as.
Dentro
desta linha de força está incluído o próprio poder judiciário e
até a responsabilização daqueles cidadãos/ãs portugueses/sas que
insistem na apatia e falta de sentido e interesse comunitário, pois
não basta potenciar o protesto e boas intenções na teoria, e
depois, assobiar para o lado na acção prática. Não se trata de
apontar dedos a ninguém mas consciencializar da necessidade urgente
de inverter a fraca participação dos cidadãos/ãs portugueses/as
no processo de tomada de decisão nas políticas públicas e
económicas.
19.
Sublinhe-se da relevância da mensagem chegar e sensibilizar em
especial a juventude. É para eles essencialmente que este novo
modelo de sistema político democrático directo proposto, se
destina. O espaço mediático e o contacto presencial tornam-se neste
âmbito assaz fulcrais. Este último pode por exemplo acontecer em
sessões de esclarecimento nas escolas básicas e do secundário como
outrossim nas do ensino superior.
20.
Face ao que antecede, Portugal pode-se constituir como pioneiro de um
modelo de democracia directa, verdadeiramente inovador para a Europa
e o Mundo, enquadrado e profundamente consubstanciado aos tempos
hodiernos. Como tal, torna-se emergente uma profunda e séria reforma
da Constituição da República Portuguesa (CRP), a implicar lógica,
consequente e forçosamente, a oitava Revisão Constitucional.
21.
Urge reconsiderar por isso a Regionalização, até porque ela
continua prevista na actual mas ultrapassada e instrumentalizada CRP,
sob a condição de ser referendada. A Regionalização poderá vir a
reforçar os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade,
previstos aliás, nos tratados supranacionais estabelecidos com a UE.
Na verdade, a centralização política e histórica do Estado,
dificulta e não fomenta a iniciativa da participação cidadã e é
um obstáculo permanente à afirmação dos mecanismos de democracia
direita em Portugal. O debate em torno deste tema, não pode ser
ignorado e adiado. Ele tem de ser estendido a toda a sociedade civil
e correctamente informado. A Regionalização não pode ser palco de
enganos ou criar confusões na cabeça das pessoas.
Seguem-se
aqui algumas reflexões teóricas contemporâneas de vulto, que podem
enriquecer o debate sobre o modelo e definição operacional de
democracia directa a serem exequíveis para Portugal, no fundo, uma
base de sentido académico com o intuito de sustentarmos com fortes
alicerces, este modelo de democracia directa idealizado para o País,
no contexto da contemporaneidade, a exigir novas necessidades, novas
exigências e outras respostas que sejam consentâneas com os
verdadeiros e legítimos interesses dos cidadãos/ãs.
O
antigo vice-Presidente da Philipps Universitä de Marburg, Theo
Schiller tem na profundidade das problemáticas em torno da
participação directa dos cidadãos no processo de tomada de
decisões políticas, conjugada com mecanismos de democracia directa,
a sua particular atenção e às quais tem prestado relevantes
contributos. Abordando as questões controversas relativamente ao
suplemento qualitativo
que a conjugação destes mecanismos pode trazer às democracias
representativas, Schiller deixa-nos assente:
"Os
fundamentos normativos mais fortes para a democracia directa são os
princípios democráticos da soberania popular, a igualdade política
e todos os argumentos para a democracia participativa que sustentam a
ideia de que todos os cidadãos devem ter o direito não apenas de
eleger representantes, mas também votar sobre assuntos políticos em
referendos " (2011:560-566).
Tendo-se
em conta o alerta de grave crise e erosão da democracia
representativa na actualidade, temas a implicarem com a discussão de
uma representatividade ilegítima e obscura, nitidamente visível no
descrédito apresentado pelo elevado abstencionismo, apatia e
desconfiança dos cidadãos nos seus ditos representantes e
instituições, vão emergindo publicações de teses que
contextualizam uma nova operacionalização das democracias
representativas contemporâneas de larga escala. Investigações
teóricas dirigidas ao reforço do poder das instituições
democráticas e da participação dos cidadãos. É o caso da
democracia poliárquica delineada pelo norte-americano Robert Dahl
(1915-2014).
Um
sistema político disperso, diverso, de ampla amplitude e densidade
geográfica, anti-monocrático, que potencia a distribuição,
desconcentração do poder, retirando-lhe força e capacidades de
centralização; uma sociedade centrífuga, com múltiplas
instituições, um governo de muitos, com vários centros de poder de
natureza autónoma, por isso descentralizados, um género de pequenas
sociedades, onde prolifera e convive no seu seio, uma pluralidade de
actores públicos e privados, interiores e exteriores ao Estado –
económicos/financeiros, políticos, sociais – conscientes da
necessidade de constantes acordos, negociações, coligações e de
estabelecer pontes para transpor obstáculos. Estamos perante uma
forma de operar uma nova democracia dos “modernos” que abre as
portas ao amplo envolvimento participativo dos cidadãos em diversos
contextos e níveis de influência nos processos da tomada de
decisão, seja local, regional ou nacional, e, consequentemente,
robustecer-lhes os direitos de cidadania. Dentro desta linha de força
traçada anteriormente, sobre a amplitude da participação cidadã
no processo da tomada de decisão numa pluralidade de condições –
e não apenas políticas –, mas com uma visão oposta, já em 1984,
surgiu- nos a concepção de Democracia Forte (Strong Democracy) do
nova-iorquino Benjamim Barber. O autor dá-nos enfoque à actividade
mobilizadora das organizações de base popular local, fundamental
para a participação directa dos cidadãos, vistas como
protagonistas na resolução dos problemas prementes das comunidades
locais, e mesmo regionais e nacionais, pois uma democracia forte:
“
(...) é uma forma de democracia participativa distintamente moderna.
(...) Numa comunidade democrática forte (...) os membros individuais
são transformados (...) em cidadãos (...). As instituições locais
podem ser de fato um campo de formação crucial para a democracia
(...). O projecto mais desafiador é encontrar formas de os cidadãos
participarem da execução de decisões comuns tomadas por
assembleias de bairro oupor governos locais (...)” (1984: 117-304).
Em Democracia Directa o primeiro Órgão de Soberania é a Assembleia do Povo constituída por Cidadãos maiores de 18 anos. Como não é possível reunir fisicamente milhões de Cidadãos no Parlamento, torna-se imprescindível criar uma Plataforma Informática através da qual o Povo exerce o seu direito de Deliberação. O texto em apreço não tem uma única palavra de referência a este instrumento altamente tecnológico, confiável e de vastíssimo futuro.
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