“ A desconfiança suscitada pelo referendo local só desapareceu por ocasião da primeira revisão constitucional, em 1982, altura em que passou a integrar o elenco de mecanismos da democracia participativa portuguesa (art. 241.o, n.o 3), precedendo, assim, à consagração do referendo nacional introduzido apenas na revisão constitucional de 1989 “ .
Amaral , Diogo Freitas – Curso de Direito Administrativo. Vol I. 3a Edição, Coimbra : Almedina, 2006, pp. 607-608.
É dado como verdadeiro neste ensaio, mesmo com as fortes limitações e os contornos pintados a negro relativamente a todo o processo que envolveu a realização do Plebiscito no ano de 1933, sabendo nós também o peso das forças de bloqueio do regime que sonegavam continuamente a participação dos cidadãos na vida política, que as elevadas taxas de abstenção apresentadas nos casos analisados – com a excepção da Petição em 2009 sobre o Acordo Ortográfico de 1990, traduzida posteriormente numa Iniciativa Legislativa Popular cujo regime jurídico e processual está enquadrado normativamente com diferentes procedimentos em relação ao processo de realização de uma consulta referendária ao povo português –, foram uma realidade que atingiu indicadores semelhantes ou mesmo superiores comparativamente aos números indicados nos actos eleitorais nacionais e na eleição dos deputados ao Parlamento Europeu (PE). Transparece por outro lado, pouca informação, conhecimento, abertura e educação cívica dos cidadãos nacionais para ancorarem de vez no seu seio, os mecanismos de democracia directa à sua disposição na Lei Fundamental , a CRP. Mas nada é impossível. Impossível é não fazer-se, não realizar-se! Neste contexto parece não ser menosprezível considerar nestas conclusões que toda esta conjuntura de apatia dos cidadãos nacionais em relação ao uso daqueles instrumentos no sistema político em Portugal, não inibiu que, em conformidade com uma sondagem/estudo de opinião efectuado pela Pitagórica – Investigação e Estudos de Mercado SA – para o jornal diário i, 67, 1% dos portugueses aprovam o referendo como um mecanismo de democracia directa, possível de ser integrado no seio da acção da democracia representativa, tendo até em conta melhorá-la e actualizá-la.50 Todavia, sabemos também pela experiência da universidade da vida que da teoria à prática, e especificamente na idiossincrasia social e política do nosso País, situa-se uma enorme diferença. Seja como for a Democracia é um processo que não tem uma solução abrangente. A Democracia sendo um progresso com diversos níveis de etapas, tem de ser sustentada senão corrompe-se e auto destrói-se.
É evidente que não fugiu à regra termos ao leme da Petição no 495/X/3a – um caso analisado com destaque nesta recensão –, sumidades políticas, científicas e culturais, com particular notoriedade o seu primeiro signatário, Vasco Graça Moura, a impulsionarem a dinâmica para que ela viesse a tomar força e relevância na capacidade de mobilização, incentivo e persuasão dos cidadãos de modo a tomarem corpo presente nesta Iniciativa Legislativa Popular. É indesmentível que apesar de não ter conseguido os efeitos práticos desejados – foram feitos pequenos ajustes como a possibilidade de dupla grafia mas na sua essência o Acordo foi estabelecido e já se encontra em vigor na ordem jurídica interna desde 13 de Maio de 2005, tendo uso corrente em todos os estabelecimentos de ensino nacional, instituições e publicações oficiais, legalmente desde 01 de Janeiro de 2012 –, foi um acontecimento exemplar no exercício da cidadania activa.
Naturalmente que sobre esta temática e problemática apresentadas, este ensaio poderia ter ainda muito para dizer e investigar, nomeadamente quanto ao papel da comunicação social, do referendo local que impulsionou a instituição do nacional, dos Grupos de Cidadãos Eleitores (GCE), da abstenção e da apatia dos portugueses, mas devido às suas características de síntese crítica analítica, não cabem neste trabalho e por isso ficaremos naturalmente por aqui. Encerrado este breve estudo, regressa-se ao princípio e, após as exposições teóricas apresentadas e referidas ao longo deste trabalho em conexão com os indicadores oficiais anunciados, não será então despropositado apontar à guisa de remate final, como resposta à Pergunta de Partida lançada na Introdução deste trabalho – Os mecanismos de democracia directa em Portugal, são dentro da democracia representativa, nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da Lei, instrumentos de democracia participativa, fora da lógica partidária, à disposição dos cidadãos ou acima de tudo, existem como ferramentas jurídicas de instrumentalização política sob o monopólio do Poder Político em Portugal? – , que as condutas e os erros das elites políticas dirigentes do País em continuarem a condicionar a acção e a vida dos nossos cidadãos/ãs em relação ao exercício prático dos mecanismos de democracia directa ao seu dispor e como instrumentos complementares da democracia representativa, dinamizados e enquadrados em torno de matérias com relevante interesse e desígnio nacionais, são basicamente iguais, porém, enquadrados em tempos cronológicos diferentes. A realidade é a mesma o que muda é a perspectiva. As elites politicas dirigentes em Portugal, cozinham-nos uma alternativa: a dificuldade de acesso à participação política. Talvez seja oportuno recordar que em Portugal, ao abrigo do no 1 do artigo 15o – Requerimento – da Lei Orgânica no 2/2003 de 22 de Agosto – a Lei dos Partidos Políticos – com as alterações introduzidas pela Lei orgânica no 2 / 2008 de 14 de Maio, bastam 7.500
assinaturas legalmente reconhecidas para oficialmente se formar um partido. Contudo, conforme prescrito no artigo 16o da LORR, são necessárias 75. 000 Subscrições de cidadãos devidamente recenseados no território nacional, para uma Petição – Iniciativa Legislativa Popular – fazer fé, obrigar a agenda política à sua discussão em plenário da AR e poder levá-la à realização de um referendo sobre determinada matéria em apreço ou seja, é mais difícil um cidadão participar directamente no processo da tomada de decisão do que formar um partido político para poder, mesmo com alguns constrangimentos, integrar-se na actividade política o que também não implica participar directamente.
Os mecanismos de democracia directa ao dispor dos cidadãos portugueses estão feridos com gravidade, a começar na sua Lei Fundamental. Efectivamente, o consagrado no artigo 152º da CRP, limita, condiciona e bloqueia desde a raiz, a capacidade dos portugueses em fazerem uso pleno daqueles meios no processo de participação directa da tomada de decisão de políticas públicas em Portugal. Tal como nos esclarece Proença de Carvalho, “ O referendo é um acto político do Chefe de Estado, pois é este que decide se o convoca ou não, embora precedido de propostas da Assembleia da República e do Governo. (...) Ou seja trata-se de uma decisão política direccionada à função legislativa. O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional (nº3 do artigo 115º), sendo excluídas do seu âmbito as alterações à Constituição, as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro (...). “ 51 Para dar ainda peso ao sentido tomado pela resposta à Pergunta de Partida e concluir este texto, cite-se a nota e comentário, numa investigação critica ao fundamentado no artigo 2º da LORR, de Fátima Abrantes Mendes :
“ O referendo mesmo que impulsionado por iniciativa de grupos dos cidadãos eleitores,
tem de obrigatoriamente passar pelo crivo da Assembleia da República, o que demonstra,
mais uma vez, a forte implicação política das questões susceptíveis de ser submetidas a
referendo. “ 52
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
NOTA FINAL: o autor deste ensaio não escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico
de 1990.
50) Barómetro i/Pitagórica entre 22 e 25/01/13, acedido em www.ioline.pt, consulta a 18 e 29/06/15.
51) Carvalho, Manuel Proença de (2010) – Manual de Ciência Política e Sistemas políticos e Constitucionais. 3a Edição, Lisboa: Quid Juris, Sociedade editora Lda, pp.397-398.
52) Mendes, Maria de Fátima Abrantes (2006) – Lei Orgânica do Regime do Referendo. Actualizada, Anotada e Comentada.
Lisboa: CNE, p.10.
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2. Os Mecanismos de Democracia Direta em Portugal
SEBASTIÃO, Sónia M. Pedro – A Democracia Directa ainda interessa? O caso Suíço.
Lisboa: ISCSP, 2005, p.39.
2.1. O plebiscito constitucional de 19 de Março de 1933
MALTEZ, José Adelino, Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos
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2.2. Os referendos à despenalização do aborto em 28 de junho de 1998 e 11 de fevereiro de 2007
MALTEZ, José Adelino, Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos
XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, p.370.
2.3. O referendo sobre a Regionalização em 08 de novembro de 1998
BARATA, Óscar Soares . In : Sessão de Abertura, Forum 2000/Renovar a
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3. Iniciativa Legislativa Popular : O triunfo da Petição em 2009 para correção do Acordo Ortográfico de 1990 –
LOPES, Teresa Rita (coord.) – Pessoa Inédito. Fernando Pessoa .Lisboa: Livros Horizonte,
1993, p.119..
4. Conclusões
AMARAL, Diogo Freitas – Curso de Direito Administrativo. Vol I. 3a Edição, Coimbra :
Almedina, 2006, pp. 607-608.
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