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3. INICIATIVA LEGISLATIVA POPULAR: A PETIÇÃO EM 2009 CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990

3. INICIATIVA LEGISLATIVA POPULAR: A PETIÇÃO EM 2009 CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990

“A ortografia é um fenómeno da cultura, e portanto um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito.” 

Teresa Rita Lopes (coord.), Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, p.119.

Esta citação transcrita na epígrafe deste título, traduz no fundo o estado de espírito de um número considerável de cidadãos portugueses que aderiu a uma petição em 2009, com características algo especiais. Esta forma legítima de exercer a cidadania foi consubstanciada com mais de cem mil assinaturas, a darem-lhe força jurídica e obrigando-a a baixar dentro dos trâmites legais, ao plenário da Assembleia da República. Esse grupo de cidadãos estava desagradado e indignado pela forma como o Acordo Ortográfico de 1999 estava a ser tratado pelo poder político, facto aliás não muito do agrado da generalidade da comunidade de países de língua portuguesa e ainda acusado de desmontar as normas de uma língua com peso na cultura dos povos dos cinco continentes, uma das seis mais faladas a nível mundial e com 224 milhões de falantes ao nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) a corresponder a 3,7 % da população mundial como se pode verificar nos Gráficos no 3 e 4 e Tabela no 1, seguidamente apresentados, em consequência de estudos produzidos
respectivamente pelo Observatório da Língua Portuguesa e Banco Mundial 35
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Gráfico no 3 :
Fonte: acedido em http://www.observalinguaportuguesa.org/pt/dados-estatisticos/as-linguas-mais faladas/10-linguas-mais-faladas-no-mundo, consulta entre 08/07/15 e 10/07/16.

Gráfico no 4 :
Fonte: acedido em http://www.observalinguaportuguesa.org/pt/dados-estatisticos/as-linguas-mais faladas/10-linguas-mais-faladas-no mundo, consulta entre 08/07/15 e 10/07/16.

TABELA no 1 : A Língua Portuguesa na CPLP (Comunidade Países de Língua Portuguesa)
Fonte : acedido em http://data.worldbank.org/, consulta a 05/05/16

Tal como nos elucida Barreiras Duarte, integrando-a como “ um dos novos mecanismos da democracia participativa, a petição (...) é um instrumento político e jurídico que, nos termos da Constituição e da Lei, tem um papel a desempenhar no funcionamento do nosso sistema de Governo, fora da lógica partidária, obrigando os partidos políticos a incluírem na sua agenda de prioridades políticas e legislativas temas “ 36, como foi o caso da Petição lançada em 2008 por um grupo de notáveis cidadãos, sobre a polémica questão do Acordo Ortográfico. Lembre-se que o direito de petição está consagrado no artº 52º da CRP 37 e juridicamente estabelecido na Lei nº45/07 de 24 de Agosto. Nela define-se que determinada petição seja publicada no Diário da Assembleia da República desde que formalizada dentro dos trâmites legais, com assinatura de 1.000 cidadãos nacionais e automaticamente baixará a plenário da Assembleia a partir da subscrição de 4.000, números respectivos, de acordo com o preceituado no n o1 do artigo 21o (Audição de peticionários) e alínea a) do nº1 do artigo 24º (Apreciação pelo Plenário) daquela mesma Lei. Naturalmente que ao recolher um número elevado de assinaturas, a visibilidade da petição ganha outra dimensão e maior será a probabilidade do seu impacto nos meios de comunicação social, nos partidos políticos e nas suas elites dirigentes, em especial respeitantes às forças partidárias do arco do poder, no seio dos outros partidos também com representação parlamentar e na própria sociedade em geral. A Petição a analisar, não fugiu a esta regra pois com um elevado número de subscrições assumiu por ela própria, ter sido um modelo de manifestação popular demonstrativo da real vontade dos cidadãos que funcionou ao mesmo tempo como um instrumento de peso tendo em vista pressionar o poder político em Portugal e as suas instituições.

Aprofundámos superficial e tardiamente o Direito de Petição que tem como objectivo primeiro, tal como nos referiu Barreiras Duarte, induzir o poder legislativo emanado da AR, longe da esfera e ordem de trabalho dos partidos políticos com assento parlamentar em Portugal, analisar matérias jamais discutidas. Foi o caso da Petição sobre o Acordo Ortográfico em 2009, um acontecimento que na época, foi aludido por Vasco Graça Moura, como o “ triunfo da petição! ” 38 Escritores e intelectuais de diversos quadrantes políticos (Manuel Monteiro, Manuel Alegre, Vasco Graça Moura, Zita Seabra etc.) juntaram-se para o mesmo lado. É de referir que houve ainda 1.500 assinaturas que não foram validadas ou permitidas, num universo que ficou bem acima dos cem mil portugueses/as. O conjunto daquelas destacadas figuras nacionais, promoveram e organizaram uma petição cuja finalidade era alertar o País e os seus cidadãos para a injustiça e incorrecções produzidas por aquele acordo, cujos trâmites não estavam a defender os interesses portugueses. Abriram-se discussões, promoveram-se debates, alguns bastante acesos, evidenciaram-se desequilíbrios, clivagens e pontos de vista diferentes da imposição formal e houve acima de tudo, mobilização. Realizaram-se fóruns e palestras e conseguiu-se reunir nesta petição, um número de assinaturas legítimas jamais vistas em Portugal. Mostrava-se deste modo, a realidade do dinamismo da sociedade civil activa assim como do exercício dos seus direitos de cidadania. A petição baixou à AR, renovou a reflexão, a discussão e foi colocada em sede de plenário, onde se reconheceu ter havido precipitações, algumas delas com o cariz grave da incompetência, ignorância e irresponsabilidade, todavia, sem comprometer nomes. Este exemplar movimento cívico, foi com o tempo consolidado, ganhou expressão e ainda mais simpatizantes, conseguindo influenciar substancialmente, a tomada de decisão no sentido de que a concretização do Acordo Ortográfico, obedecesse a outros princípios e orientações. Acumularam-se prejuízos, fizeram-se novos dicionários e obrigou-se com legitimidade, o Governo a adiar a data do novo Acordo Ortográfico. Para o catedrático da linguística António Emiliano da Universidade Nova de Lisboa, num artigo de opinião especializado nesta matéria “ O AO trará custos tremendos, e não apenas financeiros, a todos os intervenientes no processo educativo e ao País em geral. Que não se tenha pesado os seus reais custos e benefícios, é quase tão calamitoso como o Acordo, que é mau, muito mau mesmo. Basta lê-lo com atenção, coisa que o Ministro do Acordo, digo, da Cultura, parece ainda não ter feito. “39. Nomes sonantes da vida nacional concordaram até que este Direito de Petição, cumpriu um desígnio nacional, pois completou faltas, corrigiu falhas e refreou a rapidez do atabalhoamento. Este mecanismo de democracia directa em Portugal, acrescentou qualidade de produção legislativa e participativa dos cidadãos. Os decisores públicos passaram a ter outra atenção sobre o rumo destas matérias e a terem necessidade de fundamentarem melhor aquilo que querem fazer e decidir, a partir do momento em que uma série de pessoas com capacidade de organização, se reúne para pensar em apresentar ou solicitar uma petição. Já em 2008, o saudoso Vasco Graça Moura antecipava a hipótese do novo Acordo Ortográfico vir a ser um embuste e uma fatalidade para a cultura nacional e língua portuguesa. “ Na verdade, o acordo considerou apenas duas pronúncias - padrão, a brasileira (que aliás não é apenas uma no imenso território do Brasil) e a portuguesa, como se estivéssemos ainda a viver nos tempos do império colonial (...). Isto é, o acordo de algum modo comunga ainda da mentalidade colonial e darwinista que pressupõe que os PALOP seguem o que Portugal decidir, sem ter em conta a realidade do português falado nos seus territórios. “ 40 A pressa desmesurada do governo de José Sócrates face ao descontrole do seu papel neste processo era vista por Graça Moura como factores elementares para pôr “ em causa o ensino e a valorização da língua e o próprio património cultural de que ela é a pedra angular, enquanto elementos da nossa identidade. (...) Tudo isto representa uma lesão inaceitável de um capital simbólico acumulado e de projecção planetária. “ 41 Esta relevante figura do mundo intelectual português e protagonista na mobilização dos cidadãos para a subscrição desta Petição, com a competência e o direito que lhe eram reconhecidos nacional e internacionalmente, distinguia acima de tudo pela negativa, a atitude deliberada dos políticos nomeadamente a dos deputados conhecidos como nossos representantes, pouco consentânea com os interesses do País e da sua língua. “ Em conclusão, permito-me chamar a atenção para a enorme responsabilidade deste Parlamento se, antes de deliberar, não exigir que sejam tomadas todas as precauções que na matéria são impostas pelo interesse nacional. “ 42 Em Abril deste ano, a Petição estava pronta para ser presente na AR, contando no fim desse mês com 17.500 assinaturas. 

A Petição no 495/X/3a, deu entrada então na AR a 08 de Maio de 2008, a partir da iniciativa de um grupo de cidadãos e cidadãs com peso na sociedade, tendo à sua cabeça, Vasco Graça Moura. Esta tomada de posição era tratada pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da AR, entidade oficial a quem foi entregue esta petição formalizada agora com 33.053 assinaturas, como “ manifesto em defesa da língua portuguesa contra o Acordo Ortográfico “ 43. Esta petição vinha no seguimento de pareceres datados de 2005, do Instituto Camões, Associação Portuguesa de Linguística, Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, favoráveis à cautela, ponderação e até suspensão, de modo a que o Acordo Ortográfico fosse devidamente reavaliado. Em 27 de Junho de 2008, tinha – se chegado às 75.000 assinaturas e Graça Moura num artigo de opinião escrito no Diário de Noticias desse mesmo dia, não poupava os Partidos do Arco do Poder. “ 75 000 assinaturas, nos termos da proposta recente do partido do governo sobre o número mínimo de militantes requeridos para a existência legal de um partido político, equivalem à fundação de 15 partidos políticos. Nas eleições directas do PS de 2004 votaram cerca de 36.000 militantes inscritos, dos quais cerca de 28.000 votaram no actual Primeiro-Ministro. Nas eleições directas do PSD de 2008 votaram cerca de 45 400 militantes, dos quais cerca de 17.000 votaram na actual Presidente do partido. Se os votos de 45 000 cidadãos portugueses (28.000 em Sócrates e 17.000 em Ferreira Leite) são suficientes para escolher o futuro 1.º Ministro de Portugal, 75.000 assinaturas deveriam ser mais do que suficientes para parar este Acordo desastroso, que ninguém pediu e de que ninguém precisa, e que só alguns académicos e políticos irresponsáveis querem. “ 44
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O crescimento não parava e em Março do ano seguinte já se contavam 100.201 assinaturas legais. Em 13 de Abril de 2009, eram reconhecidas oficialmente 107.321. No mesmo mês, dia 26, numa entrevista ao Diário de Notícias e dando ênfase à relevância desta Petição que avançava em contínuo crescendo e contava agora nesta data com 110.758 assinaturas dentro dos trâmites legais, o deputado Feliciano Barreiras Duarte, chamava a atenção para a responsabilidade na celeridade desmedida do executivo, pois as novas regras ortográficas careciam essencialmente da antecedência de estudos cuja investigação, elaboração e reflexão, deveriam ser trabalhados por parte dos especialistas na matéria, com outra atenção. (...) " o Governo deveria promover e valorizar, ao longo de todo o processo de aplicação do acordo ortográfico, a colaboração e parecer da comunidade científica e demais sectores cujo conhecimento ou actividade são de inegável utilidade. (...) A reacção da comunidade científica e educativa (...) é preocupante e evidencia a falta de diálogo e a ausência de uma metodologia por parte do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura com vista à aplicação do Acordo Ortográfico. 45

O Relatório Final da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura de 08 de Abril de 2009, remetido ao Presidente da AR e publicado posteriormente no Diário da AR, tendo em vista a sua apreciação em Plenário na Casa da Democracia, resumia assim a importância do contexto e do interesse nacional desta Petição, recomendando aos responsáveis do executivo, legislativo e judicial que deveriam ser tidas em conta os novos pormenores e factos relevantes levantados e apontados por esta Petição. “ Por tudo isto, muitas das preocupações e sugestões dos peticionários deverão ser tidas em conta, de forma a permitir uma operacionalização e implementação do acordo ortográfico que salvaguarde a melhor defesa da cultura e língua portuguesa. E que permita que o português como língua de todos os oceanos, aprofunde o seu papel como instrumento de ligação e enquadramento cultural no espaço lusófono, contribuindo sobremaneira para o aprofundamento qualitativo e quantitativo do futuro político da lusofonia. (...) Esta petição, concordando-se com a totalidade ou só com algumas das suas
partes, com os seus objectivos, merece elogio parlamentar positivo, porquanto ao abrigo do Direito de Petição, consagrado constitucional e legalmente, veio contribuir para o debate e para a chamada de atenção de uma matéria de relevante interesse público. É de elementar bom senso que no futuro, em sede de outras alterações desta como de outras matérias similares, o rito processual dos órgãos de soberania portuguesas, em termos constitucionais e legais aplicáveis em vigor, seja outro. Pelas razões anteriormente expendidas. “ 46 O debate parlamentar sobre o Acordo Ortográfico pela força desta petição, acaba por se realizar em 21 de Maio de 2009, aonde se destacou mais uma vez o deputado do PPD/PSD, Feliciano Barreiras Duarte que reafirmava: “ (...) Mesmo discordando-se de algumas ou de várias das suas intenções, nos seus peticionários encontramos homens e mulheres que têm prestado relevantes serviços a Portugal e aos portugueses, na política, na cultura, na economia e na sociedade, e que por isso mesmo devem merecer o nosso respeito. “ 47 No dia deste debate a Petição contava com 113. 206 assinaturas válidas e em Julho , no seguimento deste processo que não parou por aqui , reunia 121.000 subscritores . Esta petição deixou raízes para futuros e acesos debates mas longe do impacto desta Petição junto da sociedade portuguesa e do respectivo espaço mediático. No entanto deve-se dar realce a um novo Fórum contra o Acordo Ortográfico de 1990. Em 14 de Abril de 2015, reuniram-se na Faculdade de Letras de Lisboa, diversas sumidades intelectuais e científicas da língua portuguesa. Aqui reiteraram o pedido para que se suspendesse com urgência este
Acordo e que ele passasse a ser objecto de uma consulta referendária realizada a nível nacional. O jornal diário Público deu destaque a este acontecimento e no seu editorial referia-se assim: “ A obrigatoriedade do uso do Acordo Ortográfico de 1990 (AO) no ensino e na administração pública deve ser imediatamente suspensa, e a sua eventual aplicação em Portugal deve ser depois submetida a referendo. É o que defende uma moção aprovada no fórum Pela Língua Portuguesa, diga NÃO ao ‘Acordo Ortográfico’ de 1990, que decorreu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) no passado dia 14”. 48 Voltando um pouco atrás e para terminar este subtítulo, a eterna poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen em 25 de Julho de 2008, na cerimónia em que Portugal assumiu a Presidência da CPLP, transcrevia assim um poema datado de 1974:

“Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra “ 49


António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política 

35)Acedido em http://www.observalinguaportuguesa.org/pt/dados-estatisticos/as-linguas-mais faladas/10-linguas-mais-faladas-no-mundo, consulta entre 08/07/15 e 10/07/16 e http://data.worldbank.org/ consulta a 05/05/16.
36) Feliciano Barreiras Duarte – A Petição. In : JORNAL DE NOTICIAS de 04/04/11, p.17. Acedido em www.jn.pt, consulta a 10/05/15.
37) Canotilho , J.J.Gomes & Moreira, Vital (2008 ) – Constituição da República Portuguesa e Lei do Tribunal Constitucional –. 8a Edição, Coimbra : Coimbra Editora, pp. 39-40.
38) Diário de Notícias 28/02/07, Acedido www.dn.pt, consulta a 05, e 08/07/15.
39) António Emiliano , acedido em www.dn.pt , consulta a 11/07/2015.
40) Moura, Vasco Graça (2008) – Acordo Ortográfico: A Perspectiva do Desastre. Lisboa: Alêtheia Editores, p.97.
41) Idem Ibidem, p.107.
42) Idem Ibidem, p.115.
43) Nota de admissibilidade da Petição contra o AO.pdf .
44) Vasco Graça Moura 26/06/08, acedido em www.dn.pt. , consulta em 10/07/15.
45) Feliciano Barreiras Duarte, entrevista ao Diário de Notícias 26/04/09 , acedido em www.dn.pt , consulta a 09/07/2015.
46) Relatório Final sobre a petição do AO.pdf.
47) Acedido em www.parlamento.pt, consulta a 10/07/15.
48) Acedido em www.publico.pt, consulta a 10/05/15.
49) Sophia de Melo Breyner Andersen 25/07/2008 , acedido em www.dn.pt . consulta a 04/07/15.

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