Se democracia quer dizer o direito do povo de participar na determinação de seu próprio desenvolvimento e futuro, são as constantes barreiras e limitações legais a esse tipo de direitos criados pelas Monarquias e Repúblicas, que infectam o seu propósito. Os erros, os crimes, a corrupção, o abuso de poder, são tantos os casos, que só por masoquismo o povo continua a suportar tais formas de governo!
PUBLICAÇÃO EM DESTAQUE
EUTANÁSIA PARA A CRIANÇA MORIBUNDA Para entender este caso é necessário em primeiro lugar perceber o que é a eutanásia. Eutanásia visa ...
OS MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRECTA EM PORTUGAL E O CASO DA PETIÇÃO EM 2009 SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990 - CONCLUSÕES
4. CONCLUSÕES
“ A desconfiança suscitada pelo referendo local só desapareceu por ocasião da primeira revisão constitucional, em 1982, altura em que passou a integrar o elenco de mecanismos da democracia participativa portuguesa (art. 241.o, n.o 3), precedendo, assim, à consagração do referendo nacional introduzido apenas na revisão constitucional de 1989 “ .
Amaral , Diogo Freitas – Curso de Direito Administrativo. Vol I. 3a Edição, Coimbra : Almedina, 2006, pp. 607-608.
É dado como verdadeiro neste ensaio, mesmo com as fortes limitações e os contornos pintados a negro relativamente a todo o processo que envolveu a realização do Plebiscito no ano de 1933, sabendo nós também o peso das forças de bloqueio do regime que sonegavam continuamente a participação dos cidadãos na vida política, que as elevadas taxas de abstenção apresentadas nos casos analisados – com a excepção da Petição em 2009 sobre o Acordo Ortográfico de 1990, traduzida posteriormente numa Iniciativa Legislativa Popular cujo regime jurídico e processual está enquadrado normativamente com diferentes procedimentos em relação ao processo de realização de uma consulta referendária ao povo português –, foram uma realidade que atingiu indicadores semelhantes ou mesmo superiores comparativamente aos números indicados nos actos eleitorais nacionais e na eleição dos deputados ao Parlamento Europeu (PE). Transparece por outro lado, pouca informação, conhecimento, abertura e educação cívica dos cidadãos nacionais para ancorarem de vez no seu seio, os mecanismos de democracia directa à sua disposição na Lei Fundamental , a CRP. Mas nada é impossível. Impossível é não fazer-se, não realizar-se! Neste contexto parece não ser menosprezível considerar nestas conclusões que toda esta conjuntura de apatia dos cidadãos nacionais em relação ao uso daqueles instrumentos no sistema político em Portugal, não inibiu que, em conformidade com uma sondagem/estudo de opinião efectuado pela Pitagórica – Investigação e Estudos de Mercado SA – para o jornal diário i, 67, 1% dos portugueses aprovam o referendo como um mecanismo de democracia directa, possível de ser integrado no seio da acção da democracia representativa, tendo até em conta melhorá-la e actualizá-la.50 Todavia, sabemos também pela experiência da universidade da vida que da teoria à prática, e especificamente na idiossincrasia social e política do nosso País, situa-se uma enorme diferença. Seja como for a Democracia é um processo que não tem uma solução abrangente. A Democracia sendo um progresso com diversos níveis de etapas, tem de ser sustentada senão corrompe-se e auto destrói-se.
É evidente que não fugiu à regra termos ao leme da Petição no 495/X/3a – um caso analisado com destaque nesta recensão –, sumidades políticas, científicas e culturais, com particular notoriedade o seu primeiro signatário, Vasco Graça Moura, a impulsionarem a dinâmica para que ela viesse a tomar força e relevância na capacidade de mobilização, incentivo e persuasão dos cidadãos de modo a tomarem corpo presente nesta Iniciativa Legislativa Popular. É indesmentível que apesar de não ter conseguido os efeitos práticos desejados – foram feitos pequenos ajustes como a possibilidade de dupla grafia mas na sua essência o Acordo foi estabelecido e já se encontra em vigor na ordem jurídica interna desde 13 de Maio de 2005, tendo uso corrente em todos os estabelecimentos de ensino nacional, instituições e publicações oficiais, legalmente desde 01 de Janeiro de 2012 –, foi um acontecimento exemplar no exercício da cidadania activa.
Naturalmente que sobre esta temática e problemática apresentadas, este ensaio poderia ter ainda muito para dizer e investigar, nomeadamente quanto ao papel da comunicação social, do referendo local que impulsionou a instituição do nacional, dos Grupos de Cidadãos Eleitores (GCE), da abstenção e da apatia dos portugueses, mas devido às suas características de síntese crítica analítica, não cabem neste trabalho e por isso ficaremos naturalmente por aqui. Encerrado este breve estudo, regressa-se ao princípio e, após as exposições teóricas apresentadas e referidas ao longo deste trabalho em conexão com os indicadores oficiais anunciados, não será então despropositado apontar à guisa de remate final, como resposta à Pergunta de Partida lançada na Introdução deste trabalho – Os mecanismos de democracia directa em Portugal, são dentro da democracia representativa, nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da Lei, instrumentos de democracia participativa, fora da lógica partidária, à disposição dos cidadãos ou acima de tudo, existem como ferramentas jurídicas de instrumentalização política sob o monopólio do Poder Político em Portugal? – , que as condutas e os erros das elites políticas dirigentes do País em continuarem a condicionar a acção e a vida dos nossos cidadãos/ãs em relação ao exercício prático dos mecanismos de democracia directa ao seu dispor e como instrumentos complementares da democracia representativa, dinamizados e enquadrados em torno de matérias com relevante interesse e desígnio nacionais, são basicamente iguais, porém, enquadrados em tempos cronológicos diferentes. A realidade é a mesma o que muda é a perspectiva. As elites politicas dirigentes em Portugal, cozinham-nos uma alternativa: a dificuldade de acesso à participação política. Talvez seja oportuno recordar que em Portugal, ao abrigo do no 1 do artigo 15o – Requerimento – da Lei Orgânica no 2/2003 de 22 de Agosto – a Lei dos Partidos Políticos – com as alterações introduzidas pela Lei orgânica no 2 / 2008 de 14 de Maio, bastam 7.500
assinaturas legalmente reconhecidas para oficialmente se formar um partido. Contudo, conforme prescrito no artigo 16o da LORR, são necessárias 75. 000 Subscrições de cidadãos devidamente recenseados no território nacional, para uma Petição – Iniciativa Legislativa Popular – fazer fé, obrigar a agenda política à sua discussão em plenário da AR e poder levá-la à realização de um referendo sobre determinada matéria em apreço ou seja, é mais difícil um cidadão participar directamente no processo da tomada de decisão do que formar um partido político para poder, mesmo com alguns constrangimentos, integrar-se na actividade política o que também não implica participar directamente.
Os mecanismos de democracia directa ao dispor dos cidadãos portugueses estão feridos com gravidade, a começar na sua Lei Fundamental. Efectivamente, o consagrado no artigo 152º da CRP, limita, condiciona e bloqueia desde a raiz, a capacidade dos portugueses em fazerem uso pleno daqueles meios no processo de participação directa da tomada de decisão de políticas públicas em Portugal. Tal como nos esclarece Proença de Carvalho, “ O referendo é um acto político do Chefe de Estado, pois é este que decide se o convoca ou não, embora precedido de propostas da Assembleia da República e do Governo. (...) Ou seja trata-se de uma decisão política direccionada à função legislativa. O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional (nº3 do artigo 115º), sendo excluídas do seu âmbito as alterações à Constituição, as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro (...). “ 51 Para dar ainda peso ao sentido tomado pela resposta à Pergunta de Partida e concluir este texto, cite-se a nota e comentário, numa investigação critica ao fundamentado no artigo 2º da LORR, de Fátima Abrantes Mendes :
“ O referendo mesmo que impulsionado por iniciativa de grupos dos cidadãos eleitores,
tem de obrigatoriamente passar pelo crivo da Assembleia da República, o que demonstra,
mais uma vez, a forte implicação política das questões susceptíveis de ser submetidas a
referendo. “ 52
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
NOTA FINAL: o autor deste ensaio não escreve segundo a ortografia do Acordo Ortográfico
de 1990.
50) Barómetro i/Pitagórica entre 22 e 25/01/13, acedido em www.ioline.pt, consulta a 18 e 29/06/15.
51) Carvalho, Manuel Proença de (2010) – Manual de Ciência Política e Sistemas políticos e Constitucionais. 3a Edição, Lisboa: Quid Juris, Sociedade editora Lda, pp.397-398.
52) Mendes, Maria de Fátima Abrantes (2006) – Lei Orgânica do Regime do Referendo. Actualizada, Anotada e Comentada.
Lisboa: CNE, p.10.
BIBLIOGRAFIA
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NOTA DE ADMISSIBILIDADE DA PETIÇÃO CONTRA O AO.pdf
RELATÓRIO FINAL SOBRE A PETIÇÃO DO AO.pdf.
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Jornais e Revistas
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DIÁRIO DE NOTÍCIAS de 28/02/07, p.21.
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www.ioline.pt .
www.publico.pt.
Matriz de Epígrafes
1. Introdução
SEBASTIÃO, Sónia M.Pedro – A Democracia Directa ainda interessa ? O Caso Suíço. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2005, p.40.
2. Os Mecanismos de Democracia Direta em Portugal
SEBASTIÃO, Sónia M. Pedro – A Democracia Directa ainda interessa? O caso Suíço.
Lisboa: ISCSP, 2005, p.39.
2.1. O plebiscito constitucional de 19 de Março de 1933
MALTEZ, José Adelino, Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos
XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, p.370.
2.2. Os referendos à despenalização do aborto em 28 de junho de 1998 e 11 de fevereiro de 2007
MALTEZ, José Adelino, Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos
XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, p.370.
2.3. O referendo sobre a Regionalização em 08 de novembro de 1998
BARATA, Óscar Soares . In : Sessão de Abertura, Forum 2000/Renovar a
Administração. Lisboa: ISCSP, 1997, p.12.
3. Iniciativa Legislativa Popular : O triunfo da Petição em 2009 para correção do Acordo Ortográfico de 1990 –
LOPES, Teresa Rita (coord.) – Pessoa Inédito. Fernando Pessoa .Lisboa: Livros Horizonte,
1993, p.119..
4. Conclusões
AMARAL, Diogo Freitas – Curso de Direito Administrativo. Vol I. 3a Edição, Coimbra :
Almedina, 2006, pp. 607-608.
3. INICIATIVA LEGISLATIVA POPULAR: A PETIÇÃO EM 2009 CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990
3. INICIATIVA LEGISLATIVA POPULAR: A PETIÇÃO EM 2009 CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990
“A ortografia é um fenómeno da cultura, e portanto um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito.”
Teresa Rita Lopes (coord.), Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, p.119.
Esta citação transcrita na epígrafe deste título, traduz no fundo o estado de espírito de um número considerável de cidadãos portugueses que aderiu a uma petição em 2009, com características algo especiais. Esta forma legítima de exercer a cidadania foi consubstanciada com mais de cem mil assinaturas, a darem-lhe força jurídica e obrigando-a a baixar dentro dos trâmites legais, ao plenário da Assembleia da República. Esse grupo de cidadãos estava desagradado e indignado pela forma como o Acordo Ortográfico de 1999 estava a ser tratado pelo poder político, facto aliás não muito do agrado da generalidade da comunidade de países de língua portuguesa e ainda acusado de desmontar as normas de uma língua com peso na cultura dos povos dos cinco continentes, uma das seis mais faladas a nível mundial e com 224 milhões de falantes ao nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) a corresponder a 3,7 % da população mundial como se pode verificar nos Gráficos no 3 e 4 e Tabela no 1, seguidamente apresentados, em consequência de estudos produzidos
respectivamente pelo Observatório da Língua Portuguesa e Banco Mundial 35
.
Gráfico no 3 :
Fonte: acedido em http://www.observalinguaportuguesa.org/pt/dados-estatisticos/as-linguas-mais faladas/10-linguas-mais-faladas-no-mundo, consulta entre 08/07/15 e 10/07/16.
Gráfico no 4 :
Fonte: acedido em http://www.observalinguaportuguesa.org/pt/dados-estatisticos/as-linguas-mais faladas/10-linguas-mais-faladas-no mundo, consulta entre 08/07/15 e 10/07/16.
TABELA no 1 : A Língua Portuguesa na CPLP (Comunidade Países de Língua Portuguesa)
Fonte : acedido em http://data.worldbank.org/, consulta a 05/05/16
Tal como nos elucida Barreiras Duarte, integrando-a como “ um dos novos mecanismos da democracia participativa, a petição (...) é um instrumento político e jurídico que, nos termos da Constituição e da Lei, tem um papel a desempenhar no funcionamento do nosso sistema de Governo, fora da lógica partidária, obrigando os partidos políticos a incluírem na sua agenda de prioridades políticas e legislativas temas “ 36, como foi o caso da Petição lançada em 2008 por um grupo de notáveis cidadãos, sobre a polémica questão do Acordo Ortográfico. Lembre-se que o direito de petição está consagrado no artº 52º da CRP 37 e juridicamente estabelecido na Lei nº45/07 de 24 de Agosto. Nela define-se que determinada petição seja publicada no Diário da Assembleia da República desde que formalizada dentro dos trâmites legais, com assinatura de 1.000 cidadãos nacionais e automaticamente baixará a plenário da Assembleia a partir da subscrição de 4.000, números respectivos, de acordo com o preceituado no n o1 do artigo 21o (Audição de peticionários) e alínea a) do nº1 do artigo 24º (Apreciação pelo Plenário) daquela mesma Lei. Naturalmente que ao recolher um número elevado de assinaturas, a visibilidade da petição ganha outra dimensão e maior será a probabilidade do seu impacto nos meios de comunicação social, nos partidos políticos e nas suas elites dirigentes, em especial respeitantes às forças partidárias do arco do poder, no seio dos outros partidos também com representação parlamentar e na própria sociedade em geral. A Petição a analisar, não fugiu a esta regra pois com um elevado número de subscrições assumiu por ela própria, ter sido um modelo de manifestação popular demonstrativo da real vontade dos cidadãos que funcionou ao mesmo tempo como um instrumento de peso tendo em vista pressionar o poder político em Portugal e as suas instituições.
Aprofundámos superficial e tardiamente o Direito de Petição que tem como objectivo primeiro, tal como nos referiu Barreiras Duarte, induzir o poder legislativo emanado da AR, longe da esfera e ordem de trabalho dos partidos políticos com assento parlamentar em Portugal, analisar matérias jamais discutidas. Foi o caso da Petição sobre o Acordo Ortográfico em 2009, um acontecimento que na época, foi aludido por Vasco Graça Moura, como o “ triunfo da petição! ” 38 Escritores e intelectuais de diversos quadrantes políticos (Manuel Monteiro, Manuel Alegre, Vasco Graça Moura, Zita Seabra etc.) juntaram-se para o mesmo lado. É de referir que houve ainda 1.500 assinaturas que não foram validadas ou permitidas, num universo que ficou bem acima dos cem mil portugueses/as. O conjunto daquelas destacadas figuras nacionais, promoveram e organizaram uma petição cuja finalidade era alertar o País e os seus cidadãos para a injustiça e incorrecções produzidas por aquele acordo, cujos trâmites não estavam a defender os interesses portugueses. Abriram-se discussões, promoveram-se debates, alguns bastante acesos, evidenciaram-se desequilíbrios, clivagens e pontos de vista diferentes da imposição formal e houve acima de tudo, mobilização. Realizaram-se fóruns e palestras e conseguiu-se reunir nesta petição, um número de assinaturas legítimas jamais vistas em Portugal. Mostrava-se deste modo, a realidade do dinamismo da sociedade civil activa assim como do exercício dos seus direitos de cidadania. A petição baixou à AR, renovou a reflexão, a discussão e foi colocada em sede de plenário, onde se reconheceu ter havido precipitações, algumas delas com o cariz grave da incompetência, ignorância e irresponsabilidade, todavia, sem comprometer nomes. Este exemplar movimento cívico, foi com o tempo consolidado, ganhou expressão e ainda mais simpatizantes, conseguindo influenciar substancialmente, a tomada de decisão no sentido de que a concretização do Acordo Ortográfico, obedecesse a outros princípios e orientações. Acumularam-se prejuízos, fizeram-se novos dicionários e obrigou-se com legitimidade, o Governo a adiar a data do novo Acordo Ortográfico. Para o catedrático da linguística António Emiliano da Universidade Nova de Lisboa, num artigo de opinião especializado nesta matéria “ O AO trará custos tremendos, e não apenas financeiros, a todos os intervenientes no processo educativo e ao País em geral. Que não se tenha pesado os seus reais custos e benefícios, é quase tão calamitoso como o Acordo, que é mau, muito mau mesmo. Basta lê-lo com atenção, coisa que o Ministro do Acordo, digo, da Cultura, parece ainda não ter feito. “39. Nomes sonantes da vida nacional concordaram até que este Direito de Petição, cumpriu um desígnio nacional, pois completou faltas, corrigiu falhas e refreou a rapidez do atabalhoamento. Este mecanismo de democracia directa em Portugal, acrescentou qualidade de produção legislativa e participativa dos cidadãos. Os decisores públicos passaram a ter outra atenção sobre o rumo destas matérias e a terem necessidade de fundamentarem melhor aquilo que querem fazer e decidir, a partir do momento em que uma série de pessoas com capacidade de organização, se reúne para pensar em apresentar ou solicitar uma petição. Já em 2008, o saudoso Vasco Graça Moura antecipava a hipótese do novo Acordo Ortográfico vir a ser um embuste e uma fatalidade para a cultura nacional e língua portuguesa. “ Na verdade, o acordo considerou apenas duas pronúncias - padrão, a brasileira (que aliás não é apenas uma no imenso território do Brasil) e a portuguesa, como se estivéssemos ainda a viver nos tempos do império colonial (...). Isto é, o acordo de algum modo comunga ainda da mentalidade colonial e darwinista que pressupõe que os PALOP seguem o que Portugal decidir, sem ter em conta a realidade do português falado nos seus territórios. “ 40 A pressa desmesurada do governo de José Sócrates face ao descontrole do seu papel neste processo era vista por Graça Moura como factores elementares para pôr “ em causa o ensino e a valorização da língua e o próprio património cultural de que ela é a pedra angular, enquanto elementos da nossa identidade. (...) Tudo isto representa uma lesão inaceitável de um capital simbólico acumulado e de projecção planetária. “ 41 Esta relevante figura do mundo intelectual português e protagonista na mobilização dos cidadãos para a subscrição desta Petição, com a competência e o direito que lhe eram reconhecidos nacional e internacionalmente, distinguia acima de tudo pela negativa, a atitude deliberada dos políticos nomeadamente a dos deputados conhecidos como nossos representantes, pouco consentânea com os interesses do País e da sua língua. “ Em conclusão, permito-me chamar a atenção para a enorme responsabilidade deste Parlamento se, antes de deliberar, não exigir que sejam tomadas todas as precauções que na matéria são impostas pelo interesse nacional. “ 42 Em Abril deste ano, a Petição estava pronta para ser presente na AR, contando no fim desse mês com 17.500 assinaturas.
A Petição no 495/X/3a, deu entrada então na AR a 08 de Maio de 2008, a partir da iniciativa de um grupo de cidadãos e cidadãs com peso na sociedade, tendo à sua cabeça, Vasco Graça Moura. Esta tomada de posição era tratada pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da AR, entidade oficial a quem foi entregue esta petição formalizada agora com 33.053 assinaturas, como “ manifesto em defesa da língua portuguesa contra o Acordo Ortográfico “ 43. Esta petição vinha no seguimento de pareceres datados de 2005, do Instituto Camões, Associação Portuguesa de Linguística, Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, favoráveis à cautela, ponderação e até suspensão, de modo a que o Acordo Ortográfico fosse devidamente reavaliado. Em 27 de Junho de 2008, tinha – se chegado às 75.000 assinaturas e Graça Moura num artigo de opinião escrito no Diário de Noticias desse mesmo dia, não poupava os Partidos do Arco do Poder. “ 75 000 assinaturas, nos termos da proposta recente do partido do governo sobre o número mínimo de militantes requeridos para a existência legal de um partido político, equivalem à fundação de 15 partidos políticos. Nas eleições directas do PS de 2004 votaram cerca de 36.000 militantes inscritos, dos quais cerca de 28.000 votaram no actual Primeiro-Ministro. Nas eleições directas do PSD de 2008 votaram cerca de 45 400 militantes, dos quais cerca de 17.000 votaram na actual Presidente do partido. Se os votos de 45 000 cidadãos portugueses (28.000 em Sócrates e 17.000 em Ferreira Leite) são suficientes para escolher o futuro 1.º Ministro de Portugal, 75.000 assinaturas deveriam ser mais do que suficientes para parar este Acordo desastroso, que ninguém pediu e de que ninguém precisa, e que só alguns académicos e políticos irresponsáveis querem. “ 44
.
O crescimento não parava e em Março do ano seguinte já se contavam 100.201 assinaturas legais. Em 13 de Abril de 2009, eram reconhecidas oficialmente 107.321. No mesmo mês, dia 26, numa entrevista ao Diário de Notícias e dando ênfase à relevância desta Petição que avançava em contínuo crescendo e contava agora nesta data com 110.758 assinaturas dentro dos trâmites legais, o deputado Feliciano Barreiras Duarte, chamava a atenção para a responsabilidade na celeridade desmedida do executivo, pois as novas regras ortográficas careciam essencialmente da antecedência de estudos cuja investigação, elaboração e reflexão, deveriam ser trabalhados por parte dos especialistas na matéria, com outra atenção. (...) " o Governo deveria promover e valorizar, ao longo de todo o processo de aplicação do acordo ortográfico, a colaboração e parecer da comunidade científica e demais sectores cujo conhecimento ou actividade são de inegável utilidade. (...) A reacção da comunidade científica e educativa (...) é preocupante e evidencia a falta de diálogo e a ausência de uma metodologia por parte do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura com vista à aplicação do Acordo Ortográfico. 45
O Relatório Final da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura de 08 de Abril de 2009, remetido ao Presidente da AR e publicado posteriormente no Diário da AR, tendo em vista a sua apreciação em Plenário na Casa da Democracia, resumia assim a importância do contexto e do interesse nacional desta Petição, recomendando aos responsáveis do executivo, legislativo e judicial que deveriam ser tidas em conta os novos pormenores e factos relevantes levantados e apontados por esta Petição. “ Por tudo isto, muitas das preocupações e sugestões dos peticionários deverão ser tidas em conta, de forma a permitir uma operacionalização e implementação do acordo ortográfico que salvaguarde a melhor defesa da cultura e língua portuguesa. E que permita que o português como língua de todos os oceanos, aprofunde o seu papel como instrumento de ligação e enquadramento cultural no espaço lusófono, contribuindo sobremaneira para o aprofundamento qualitativo e quantitativo do futuro político da lusofonia. (...) Esta petição, concordando-se com a totalidade ou só com algumas das suas
partes, com os seus objectivos, merece elogio parlamentar positivo, porquanto ao abrigo do Direito de Petição, consagrado constitucional e legalmente, veio contribuir para o debate e para a chamada de atenção de uma matéria de relevante interesse público. É de elementar bom senso que no futuro, em sede de outras alterações desta como de outras matérias similares, o rito processual dos órgãos de soberania portuguesas, em termos constitucionais e legais aplicáveis em vigor, seja outro. Pelas razões anteriormente expendidas. “ 46 O debate parlamentar sobre o Acordo Ortográfico pela força desta petição, acaba por se realizar em 21 de Maio de 2009, aonde se destacou mais uma vez o deputado do PPD/PSD, Feliciano Barreiras Duarte que reafirmava: “ (...) Mesmo discordando-se de algumas ou de várias das suas intenções, nos seus peticionários encontramos homens e mulheres que têm prestado relevantes serviços a Portugal e aos portugueses, na política, na cultura, na economia e na sociedade, e que por isso mesmo devem merecer o nosso respeito. “ 47 No dia deste debate a Petição contava com 113. 206 assinaturas válidas e em Julho , no seguimento deste processo que não parou por aqui , reunia 121.000 subscritores . Esta petição deixou raízes para futuros e acesos debates mas longe do impacto desta Petição junto da sociedade portuguesa e do respectivo espaço mediático. No entanto deve-se dar realce a um novo Fórum contra o Acordo Ortográfico de 1990. Em 14 de Abril de 2015, reuniram-se na Faculdade de Letras de Lisboa, diversas sumidades intelectuais e científicas da língua portuguesa. Aqui reiteraram o pedido para que se suspendesse com urgência este
Acordo e que ele passasse a ser objecto de uma consulta referendária realizada a nível nacional. O jornal diário Público deu destaque a este acontecimento e no seu editorial referia-se assim: “ A obrigatoriedade do uso do Acordo Ortográfico de 1990 (AO) no ensino e na administração pública deve ser imediatamente suspensa, e a sua eventual aplicação em Portugal deve ser depois submetida a referendo. É o que defende uma moção aprovada no fórum Pela Língua Portuguesa, diga NÃO ao ‘Acordo Ortográfico’ de 1990, que decorreu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) no passado dia 14”. 48 Voltando um pouco atrás e para terminar este subtítulo, a eterna poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen em 25 de Julho de 2008, na cerimónia em que Portugal assumiu a Presidência da CPLP, transcrevia assim um poema datado de 1974:
“Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra “ 49
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
35)Acedido em http://www.observalinguaportuguesa.org/pt/dados-estatisticos/as-linguas-mais faladas/10-linguas-mais-faladas-no-mundo, consulta entre 08/07/15 e 10/07/16 e http://data.worldbank.org/ consulta a 05/05/16.
36) Feliciano Barreiras Duarte – A Petição. In : JORNAL DE NOTICIAS de 04/04/11, p.17. Acedido em www.jn.pt, consulta a 10/05/15.
37) Canotilho , J.J.Gomes & Moreira, Vital (2008 ) – Constituição da República Portuguesa e Lei do Tribunal Constitucional –. 8a Edição, Coimbra : Coimbra Editora, pp. 39-40.
38) Diário de Notícias 28/02/07, Acedido www.dn.pt, consulta a 05, e 08/07/15.
39) António Emiliano , acedido em www.dn.pt , consulta a 11/07/2015.
40) Moura, Vasco Graça (2008) – Acordo Ortográfico: A Perspectiva do Desastre. Lisboa: Alêtheia Editores, p.97.
41) Idem Ibidem, p.107.
42) Idem Ibidem, p.115.
43) Nota de admissibilidade da Petição contra o AO.pdf .
44) Vasco Graça Moura 26/06/08, acedido em www.dn.pt. , consulta em 10/07/15.
45) Feliciano Barreiras Duarte, entrevista ao Diário de Notícias 26/04/09 , acedido em www.dn.pt , consulta a 09/07/2015.
46) Relatório Final sobre a petição do AO.pdf.
47) Acedido em www.parlamento.pt, consulta a 10/07/15.
48) Acedido em www.publico.pt, consulta a 10/05/15.
49) Sophia de Melo Breyner Andersen 25/07/2008 , acedido em www.dn.pt . consulta a 04/07/15.
2. OS MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRECTA EM PORTUGAL
2. OS MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRECTA EM PORTUGAL
“ No entanto, a adopção de instrumentos da democracia participativa não implica, necessariamente, que deixem de existir órgãos representativos, até porque, os cidadãos não querem dedicar-se constantemente à política, apenas querem ter direito de veto sobre as decisões tomadas pelos representantes e com as quais não concordam. (...)
Apesar das objecções importa sublinhar que, um modelo de democracia participativa possibilita uma maior aproximação e envolvimento dos cidadãos no processo de tomada de decisão. “
Sónia M. Pedro Sebastião , A Democracia Directa ainda interessa ? O Caso Suíço.
Lisboa: ISCSP, 2005, p.39.
Os mecanismos de democracia directa examinados nesta nossa análise, estão inseridos numa linha de pensamento que têm como pilar, a reconfiguração do regime democrático dentro do sistema político nacional, face ao alheamento, apatia, indiferença e descrédito dos cidadãos portugueses na sua erodida democracia representativa, nas suas instituições nacionais e supranacionais, nos seus representantes, patentes em altas taxas de abstenção nos atos eleitorais nacionais, a rondar a média dos 50% – com excepção das primeiras eleições após o 25 de Abril de 1974 para a Assembleia Constituinte no ano de 1975 (8,3%) , Assembleia da República (16,5%) e Presidência da República (24,5%), ambas realizadas em 1976 – e nas eleições para o Parlamento Europeu, com indicadores para cima dos 60 %, a suscitar incertezas quanto à legitimidade da representação, e, acima de tudo, face à desmobilização das populações para usufruírem activamente, do exercício dos direitos de cidadania, consagrados na fonte primeira que baliza todo o ordenamento jurídico nacional, a CRP. Esta conjuntura aliás, não é estranha quer na Europa quer nos EUA. Neste contexto, o alargamento exponencial da democracia participativa – como instrumento da democracia representativa mas a englobar mecanismos de democracia directa ao dispor do cidadão – a todo o território nacional, implica acima de tudo potenciar a dinâmica da acção directa dos cidadãos, no processo de tomada de decisão. Além disso e como nos relembra oportunamente Jorge de Sá acerca do continuo crescimento da abstenção em Portugal nos actos eleitorais – problemática abordada mas não particularmente desenvolvida neste nosso breve estudo – “ tem tido uma forma irregular e diferenciada segundo o tipo de eleição. “ 7 Seja como for, tem sido igualmente patente, conforme iremos demonstrar nesta pequena investigação – com excepção da Petição em 2009 sobre o Acordo Ortográfico de 1990, um processo de participação directa popular mas enquadrado em diferentes normas legislativas e jurídicas que não nos permite aferir o abstencionismo –, taxas de abstenção nas consultas referendárias analisadas, similares ou até superiores em relação aos actos eleitorais referidos.
A letargia dos cidadãos aqui referida, ponderada como negativa para a democracia, inclui-se no diagnóstico relativo à acção das democracias representativas da actualidade, disseminadas a nível global e que Portugal integra. Esta linha de pensamento é outrossim defendida por autores de renome mundial como Anthony Arblaster (1988), Anthony Birch (1996) ou Larry Diamond (1999), para quem e de um modo geral na democracia participativa é “exigido que o povo se envolva totalmente nas várias decisões públicas “ . Perspectivas de defesa do reforço da participação directa dos cidadãos, nos processos de tomada de decisão de políticas públicas, a exortar ao pleno activismo no uso dos direitos de cidadania, em contraste com outras concepções que vêem no excesso de participação, uma considerável tendência para a nocividade das sociedades democráticas pois limitam e obstruem a autonomia e a eficácia do processo de decisão, restringindo igualmente as vantagens das instituições legitimadas democraticamente. Dentro deste conjunto de preposições, subjaz inclusive, a ideia de cidadãos passivos, configurada como uma forma implícita de participação, uma vez que ela não se limita aos procedimentos activos dos cidadãos, podendo até funcionar, como contributo assaz positivo para a integridade operacional e eficácia dos sistemas políticos democráticos. Nesta linha de pensamento, situam-se autores como Ashford, Timms, Godbout. Contudo, para Myron Weinar, apesar do alheamento político ser admitido como meio legítimo de participação, ele é motivo de ponderada reflexão “ uma vez que pode gerar consequências diversas para o funcionamento e eficácia dos sistemas políticos. “ 9 Afinal, o voto em branco pode ser na prática, uma forma de legitimar a desconfiança ! Existem também os defensores de um desenvolvimento gradual e equilibrado, entre aquelas duas correntes. Dentro destas teses moderadas, aceita-se que se por um lado é indispensável o interesse activo do cidadão nas matérias políticas, por outro, acautela-se para o facto do excesso dessa participação, poder desgastar as competências operacionais dos regimes democráticos e das suas instituições. São premissas defendidas com argumentos de peso, por sumidades como Sartori, Dahl, Lipset, Paterman, Berelson, Lazarsfeld, McPhee, etc. .
O presente ensaio está também inscrito numa concepção distinta dos conceitos de plebiscito e referendo. Ela aliás, não foge da ideia de muitos autores e teóricos. No entanto são dois significantes com vários significados e ainda hoje é tema de aceso debate no espaço político, académico e mediático, quanto às suas distintivas e similitudes. Porém, no contexto desta nossa investigação, considera-se o plebiscito como um modelo de consulta directa feita ao povo, tendo em conta a instituição de uma futura Lei, tal qual aconteceu em 19 de Março de 1933 para a formalização da Constituição do mesmo ano – a única que foi sufragada por referendo – e consolidar de vez a captura do poder por António Oliveira Salazar, realizada num regime autoritário concebido com laivos fascizantes, atomizado na fulanização do poder do seu líder e a sobreviver já sem ele desde 1968, com a evolução na continuidade preconizada por Marcelo Caetano até à noite de 24 de Abril de 1974. Relativamente ao referendo, reconhecido oficialmente no artigo 115o (referendo) do Título I – Princípios gerais –, Parte III – Organização do Poder Político – da CRP 10, tratamo-lo aqui como um mecanismo de participação directa dos cidadãos, concebido através de uma consulta popular cuja finalidade é o povo recusar ou aprovar uma lei entrementes já constituída, como foram os casos aqui propostos a analisar. Mecanismo de democracia directa ao dispor da democracia representativa, decretado pela Assembleia da República e que respalda a Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR), a Lei no 15 – A/98, de 03 de Abril . Aliás para Freire “ Os referendos (realizados em Portugal), são casos de estudo privilegiados para se perceber em que medida e de que modo os instrumentos associados à democracia directa e/ou à democracia participativa, tais como os referendos, são efectivamente instrumentos adequados para funcionarem como elementos de renovação da democracia representativa. “ 11
Referendo e Petição são figurinos de peso no sistema democrático e político tendo em vista encontrar soluções para os seus problemas. São típicos mecanismos de democracia directa no sentido de melhorar a qualidade e transparência do nosso sistema político e Estado de Direito Democrático. Mesmo com o modelo enquadrado no actual desenho jurídico- constitucional, eles continuam a ser dispositivos de excepção à disposição dos cidadãos. Por outro lado e dentro do patamar da participação directa dos cidadãos no processo da tomada de decisão de políticas e reformas públicas, poderá até estar para breve uma nova realidade no nosso País, com listas de cidadãos independentes ou Grupos de Cidadãos Eleitores (GCE), candidatos a deputados à Assembleia da República. Todavia não cabe destaque neste ensaio debruçarmo-nos amiúde sobre esta nova forma de participação eleitoral quer nacional quer local. Na verdade não é propósito deste texto entrar na investigação complexa desta temática que envolve várias problemáticas, até porque verifica-se em alguns destes GCE, não serem tão independentes como isso ou seja, tentam disfarçar de alguma maneira a sua submissão aos directórios partidários. Ajusta-se por isso, encontrar outros indicadores que envolvem directamente esta recensão, porque por enquanto, continuamos ainda a ter os Partidos Políticos em Portugal, como os verdadeiros instrumentos da captura do Poder.
Na prática estão presentes os novos instrumentos que os sistemas políticos se socorrem, tendo em vista aprofundar a qualidade e o funcionamento da democracia e ainda, uma tentativa de corrigir o desprendimento, imobilismo e o escasso papel dos cidadãos no desenrolar e dinamismo da vida democrática. Começou – se a perceber que enfim, não chegavam as constituições a formalizarem os Estados de Direito Democrático, com eleições do tipo um voto uma pessoa, onde se renovam os mandatos dos titulares aos dois primeiros órgãos de soberania – PR e AR –. O objectivo basilar destes novos instrumentos ao dispor dos cidadãos/ãs nacionais, deveria envolve-los, cativa-los (ou alicia-los) para a vida política e cívica do País. Com elevadas taxas de abstenção nos actos eleitorais, uma entidade populacional a viver alheada do uso dos seus direitos de cidadania, os partidos políticos vão-
se desgastando e com maior dificuldade em sintonizar a satisfação das necessidades reais da população. Problemas fracturantes transportados para os partidos e para o próprio sistema de partidos.
Mesmo transversalmente de forma sibilina e com alguma habilidade de estratégia política, os partidos não conseguem disfarçar o incómodo pela invasão de um território, antes considerado exclusivamente seu. Manifestam nítidas reservas quanto à evolução deste processo, receando ao mesmo tempo, a perda do seu espaço como actores principais e influentes na sociedade e consequentemente, no peso do sistema político e institucional do País. Internamente, já serviu para gerar divisões e feridas nem sempre eliminadas sem cicatrizes. A realidade prática desta conjuntura, manifesta-se pela tomada de posição da generalidade da classe política e acima de tudo, da sua elite dirigente que ainda hoje, apresenta linhas de força no sentido de não se diminuir e chamuscar o direito de petição e do referendo, considerando que eles são obrigados a ter critério político e jurídico ou seja, o seu uso não é para qualquer matéria, nomeadamente para a discussão e aprovação do Orçamento Geral do Estado e outros de relevante interesse nacional, de acordo com o estipulado no artigo 115o da CRP, como foi o caso da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, onde era impensável para a elite política portuguesa, submeter este processo à decisão directa dos portugueses, posições cujos argumentos tomam por base, o inoportuno arrastar do processo da tomada de decisão e o enfraquecimento e banalização do verdadeiro objectivo do direito de petição e por isso, pela própria composição das matérias, para esta elite política dirigente existem assuntos que morrem logo à nascença. Encontra-se aqui neste contexto, o caminho para a resposta à Pergunta de Partida. Na realidade temos ainda um mecanismo de democracia directa ao dispor dos cidadãos, condicionado pela autorização oficial “ do Presidente da República ou do Governo em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei (...) . O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo (...) . 12
Dentro dos partidos estruturantes do nosso sistema político e do arco do poder – PS e PSD –, uns são apologistas do NÃO, outros defendem o SIM. Tanto uns como outros, podem até estar integrados em movimentos cívicos defensores de cada uma das tendências. Centraram-se intensos debates na vida interna dos partidos com acesas clivagens ideológicas. Esta panóplia de acontecimentos foi motivadora e serviu de base para a realização de um novo referendo, sobre a delicada e fracturante questão do aborto. Chegou-se inclusive, a gerar uma onda de comentários produzidos por alguns importantes especialistas na matéria, sobre a possibilidade da realização de um referendo na Madeira, relativamente à qualidade da democracia ali praticada. As agendas dos partidos políticos em aparência e coincidência, parece que não acertam com as verdadeiras preocupações dos cidadãos nacionais: desemprego, saúde, educação, prosperidade e equilíbrio intergeracional, equidade fiscal, direitos das minorias e das mulheres, tradições regionais e regionalização, despenalização da eutanásia, etc. .
São problemas fracturantes que fazem parte da estrutura do nosso sistema político, a estimular o protagonismo da opinião pública junto do espaço mediático, apresentando cada vez mais a sua pujança e peso social, político e institucional . Hoje observamos não ser raro, nas rádios, televisões, redes sociais, fóruns electrónicos e nos jornais, a apresentação de espaços de debate e opinião, mas poucos, onde se pode legitimar a participação directa dos cidadãos nos processos da tomada de decisão. Todavia, a comunicação social – 4º Poder ou o 4º Equivoco – já percebeu, ser impossível barrar o acesso da opinião pública a estes instrumentos mediáticos, numa fase em que os partidos políticos são olhados pejorativamente, como deslocalizados da realidade.
2.1. O plebiscito constitucional de 19 de Março de 1933
“ Os defensores da democracia representativa temem a democracia plebiscitária, susceptível de degenerar em cesarismo. É assim com o estabelecimento do II Império em França, por Luís Napoleão. Também em Portugal António Oliveira Salazar faz aprovar a Constituição de 1933 através de um plebiscito nacional.“
José Adelino Maltez , Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, p.370.
Talvez não seja despiciendo recordar de estarmos na conjuntura de um período conturbado da vida nacional, tempo e espaço de fronteira à instituição de um regime opressor que até ao histórico dia 25 de Abril de 1974, foi carimbado e simbolizado pela Liberdade, como um machado que nos queria cercear a raiz ao pensamento. Um regime de quase meio século, dominador da acção livre humana, a sobrepujar violentamente a população no uso dos seus direitos, liberdades e garantias, apenas conquistados com aquela Revolução de Abril, e a conseguir manter-se durante esse longo período obscuro, “ porque se envolveu num nevoeiro facilitador da ocultação da realidade “ 13 , fazendo permanecer um País em pura ilusão óptica, disfarçando um atraso estrutural continuado, no fundo, modelos estratégicos básicos preferidos pelas elites detentoras do poder e do regime.
Realizada em 19 de Março de 1933, esta consulta popular obrigatória e exortada nos meandros do regime, estava ferida de morte logo à nascença. Um embuste estrategicamente delineado sob a batuta de Salazar para atingir por este meio, a legitimação dos seus fins, face ao verdadeiro propósito da participação directa dos cidadãos em que o factor do voto tácito para além do expresso era determinante no peso da opção do sim. Tal como nos refere Rosas , “ o voto era obrigatório, considerando-se como voto tácito concordante os abstencionistas que não provassem impedimento legal “ 14. Este cenário cinzento para a participação eleitoral dos cidadãos, inclinava-se para falsear um resultado que o poder político da época não queria que fosse propriamente livre, justo , transparente e democrático. Comprovando esta encenação realizada pelo regime, para Lopes Cardoso “ A Constituição de 1933, ela própria produto de uma farsa plebiscitária, em que as abstenções contavam como votos favoráveis, instituiu a Assembleia Nacional como um dos quatro Órgãos do Estado (...). 15 Um sistema eleitoral coxo, realizado com um tipo de sufrágio censitário e obrigatório que limitava o voto aos eleitores chefes de família com idade mínima de 21 anos, onde raramente se incluíam mulheres – não existem dados oficiais rigorosos dos quantitativos que o confirmem na realidade – que pagassem impostos, soubessem ler e escrever e fossem acima de tudo pessoas idóneas e leais ao regime isto é, sem delitos políticos. Numa declaração de princípios alusiva à sessão de 05 de Maio de 1932 do Conselho Político do regime, Salazar já considerava, mesmo com a realização desta consulta popular nacional que “ (...) o povo não esteja, na sua grande maioria, apto para votar em perfeita consciência o texto completo da Constituição, o seu voto de confiança nos seus dirigentes. “ 16 Estava então traçado o destino de um povo que apenas deveria saber ler, escrever e contar. Esta consulta plebiscitária, foi constituída a partir de um universo eleitoral de 1.300.000 cidadãos com capacidade para votar e aprovou o novo texto constitucional com 719.364 votos a favor, 487.374 abstenções e votos em branco e finalmente 5.995 votos contra. As abstenções e a entrega de votos em branco como anteriormente indicado “ - onde constava a pergunta "Aprova a Constituição da República Portuguesa? " - contava como um "sim", enquanto que o "não" deveria ser expressamente escrito. O sufrágio era obrigatório e muitas das liberdades fundamentais foram restringidas. “ 17 . Estava dado então o mote para o nascimento do Estado Novo, a constranger durante 41anos os portugueses a viver nas celas do obscurantismo.
2.2. Os referendos à despenalização do aborto (IVG) em 28 de Junho de 1998 e 11 de Fevereiro de 2007
“ Do lat. referendus, coisa que deve ser relatada. Pergunta directamente feita ao
povo cuja resposta se torna vinculativa. Uma forma de democracia directa, admitida
pela democracia representativa. “
José Adelino Maltez , Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos
XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, Idem Ibidem.
Em Portugal foram realizados dois referendos nacionais em torno da despenalização sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG) e com a mesma pergunta feita aos cidadãos: “ Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? “18. A primeira consulta sobre esta temática que ainda hoje divide os portugueses foi efetuada no dia 28 de Junho de 1998. A segunda quase nove anos depois, teve a data da sua realização em 11 de Fevereiro de 2007. Esta diferença no tecido do espaço tempo, foi reflectida igualmente na dos indicadores anunciados pela Comissão Nacional de Eleições 19. Compreende-se sem dificuldade que em relação ao primeiro referendo houve aumento de participação, a reflectir automaticamente no interesse que os cidadãos manifestaram neste segunda consulta referendária em relação à primeira. Naquela, ao contrário desta, o SIM venceu o NÃO com uma diferença de 18,5%, enquanto que no primeiro referendo, esta diferença não foi tão acentuada, a luta foi renhida com valores quase iguais e o NÃO venceria apenas com uma ligeira vantagem de 1,79 %, a reflectir equilíbrio de duas opiniões contrárias, uma divisão de ideias manifestada com indicadores próximos um do outro. Realçando nesta análise a variável número de votantes, é demonstrativo a diferença substancial entre os números de um e outro referendo, traduzida com mais 1.130.673 de cidadãos presentes na votação da consulta referendária nacional de 2007, como se pode aliás constatar no Gráfico 1.
Gráfico no 1 : Nº de Votantes no 1º e 2º Referendos sobre a despenalização da interrupção voluntária
da gravidez, realizados respectivamente em 28JUN98 e 11FEV07
Fonte : acedido em http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/15.
Os dados analisados permite-nos induzir algumas conclusões, nomeadamente entendermos que foram sobretudo os partidos políticos com assento parlamentar, as sua elites dirigentes, e a acção de desenvolvida por alguns elementos dos executivos nos períodos supracitados, os protagonistas da mobilização manca e pouco conseguida para granjear a adesão das populações e arrastar as massas durante o tempo de campanha pelo SIM ou NÃO, onde cada um daqueles tomava a sua posição sendo evidente as manifestas clivagens esgrimidas no seio partidário, em particular nos Partidos do arco do Poder em Portugal ou seja Governo e Oposição que têm sido regularmente assentes na alternativa entre Partido Socialista (PS) e Partido Popular Democrático/Partido Social Democrata (PPD/PSD). Outra conclusão que não podemos deixar de referir foram as altas taxas de abstenção que nestes dois referendos se situaram na média dos 62,27%, valores aliás, superiores aos anunciados nas
eleições nacionais e também em alguns actos eleitorais para a escolha dos nossos representantes no Parlamento Europeu.
O no 11 do Artigo 115º da CRP que dá a força jurídica ao Artigo 240º da Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR) – Lei no15-A/98, de 3 de Abril –, faz-nos saber que para um referendo ser aprovado e ter efeito vinculativo na Lei, precisa da força do “ número de votantes superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. “ 20 No entanto isto não impediu o primeiro-ministro desta época, José Sócrates, de acatar o resultado para ser passado à prática legislativa. É de referir que a própria legislação já garantia a possibilidade da realização do aborto em caso de risco eminente para a saúde da mãe, do feto ou de ambos. Com a nova legislação, fruto da validação determinada pelo chefe do executivo para fazer fé legislativa, mesmo com 56,39% de abstenções, permitiu-se um período de consciente reflexão das mães para consumar ou não, a interrupção voluntária da gravidez.
Para além dos altos níveis de abstenção, também no primeiro referendo realizado em 1998, a campanha foi protagonizada pelo débil envolvimento e dinamismo da parte do Partido Socialista, dividido internamente fruto da posição do seu líder António Guterres na orientação do voto NÃO, uma escolha contextualizada às suas convicções religiosas e de ser um católico praticante, indo ao encontro da inculcação das elites religiosas, partidos à direita e das forças conservadoras da sociedade civil, a exortarem o voto naquele sentido, enfraquecendo substancialmente as forças ideológicas sociais e partidárias viradas à esquerda, nomeadamente o Partido Comunista Português, mas sobretudo o próprio PS. Freire dando ênfase a estes acontecimentos, refere-nos “ um fraco empenhamento do PS na campanha, fruto das suas divisões internas. Pelo contrário, apesar de existirem também divisões no PSD, a vontade de derrotar o PS sobrepôs-se a tais divisões e a direita apresentou-se basicamente unida (exceptuando algumas vozes discordantes, pouco audíveis). (...) o PS fez uma campanha dividida entre o «sim» (da maior parte do partido) e o «não» (do secretário-geral e dos sectores católicos), facto que serviu para confundir os eleitores e, nomeadamente, para os
desmobilizar. (...), o campo do «não» contou com um poderosíssimo aliado, a Igreja Católica, uma organização com fortíssima implantação no terreno. “21 A verdade é que toda esta conjuntura provocou na generalidade da sociedade portuguesa incertezas “ sobre a possibilidade de os referendos, enquanto instrumentos típicos da democracia directa e/ou participativa, poderem efectivamente funcionar como elementos de renovação da democracia representativa em Portugal, pois a adesão dos cidadãos tinha sido bastante fraca, em qualquer caso inviabilizando a validade jurídica dos dois referendos realizados em 1998. “ 22
Já o referendo de 2007, para além da participação dos tradicionais partidos portugueses que se dirimem em torno destas questões, houve igualmente a organização de diversos movimentos sociais que pressionaram com eficácia através das campanhas em favor do SIM, o espaço mediático, onde por exemplo na televisão, todos os intervenientes legalmente instituídos, tinham igual direito de antena. Desta vez, o líder do PS, agora José Sócrates no auge do seu poder, envolve-se directamente na campanha exortando à participação e ao voto no SIM e as tradicionais forças conservadoras perderam força argumentativa pelas indecisões e falta de novos argumentos para persuadirem o voto no NÃO. Freire ainda nesta linha de força, diz-nos que “ Quanto aos partidos, as principais diferenças residem nas mudanças de posição do PS e do PSD. No primeiro caso, há agora um claro empenhamento na despenalização da IVG, ao contrário do que se passou em 1998. (...), o empenhamento dos dirigentes do PS, nomeadamente do líder, dos seus autarcas e do partido em geral é, além de tudo o mais, o cumprimento de uma promessa eleitoral. “23 O mesmo autor também não esqueceu que em 1998, Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado por Marques Mendes, “ liderou o PSD pelo «não»; agora pedem que não se partidarize a campanha: haja memória e decoro! (...) Em 1998, o PSD defendeu abertamente o «não» , mas agora apresenta - se sem posição oficial e sem indicação de voto “.24
Em 2007, a força da abstenção inverteu a tendência do anterior referendo. Além disso, as forças partidárias conservadoras, à direita e da Igreja, não conseguiram nesse ano, aglutinar no mesmo campo os seus habituais acólitos. “ O «não» não mudou de campo, consentiu a vitória do «sim» abstendo-se mais. Melhor: os eleitores do «não» não quiseram ou não puderam contrariar a maior eficácia das forças do «sim» na mobilização dos seus constituintes e a maior determinação destes em votar. E não foi por falta de mobilização externa, exceptuando as hesitações (e a fraca mobilização) do PSD. “25 Á guisa de conclusão e apontando a sua direcção para a responsabilidade dos partidos políticos do arco do poder em Portugal, Freire elucida-nos que “ (...) os partidos políticos se apresentaram, em 2007, geralmente mais empenhados na contenda, exceptuando talvez o PSD (cuja actuação ficou marcada por várias hesitações e indecisões). Ou seja, dos referendos de 1998 para o de 2007 parece ter havido um efeito de aprendizagem cívica por parte dos vários intervenientes (cidadãos individualmente considerados: eleitores; cidadãos colectivamente organizados em movimentos cívicos; outras organizações da sociedade civil; partidos políticos) na utilização deste instrumento típico da democracia participativa, nomeadamente incorporando nas respectivas acções desenvolvidas em 2007, lições extraídas dos erros cometidos em 1998. Abrem-se, portanto, novas perspectivas para a utilização deste tipo de instrumentos enquanto elementos de renovação da democracia representativa em Portugal. “ 26
2.3. O referendo sobre a Regionalização em 08 de Novembro de 1998
“ Bem se sabe que se verificam no nosso país diferenças de bem-estar e desenvolvimento económico tais que permitem a uns, nos distritos do litoral entre Setúbal e Braga e na costa do Algarve, viver com acesso a muito do melhor que a sociedade moderna pode oferecer, enquanto outros em áreas extensas dos distritos do interior e do sul se vêem sujeitos a limitações de vida e a privações que temos de reconhecer impróprios nos tempos em que vivemos.”
Óscar Soares Barata In : Sessão de Abertura , Forum 2000/Renovar a Administração.
Lisboa: ISCSP, 1997, p.12.
No ano de 1998, dia 08 de Novembro é realizado um novo referendo, agora sobre mais um tema que continua ainda na ordem do dia a bipolarizar de alguma maneira o sentido ideológico e as conveniências dos portugueses. Não será até despiciendo pensarmos na hipótese de acontecer a breve prazo, idêntico processo de consulta ao povo português sobre uma nova divisão administrativa e territorial do País, uma delimitação de fronteiras com outros espaços territoriais, maior autonomia política, económica e financeira em relação ao poder central comparativamente ao que se verifica na actualidade – com uma divisão embrulhada em 11 Regiões Geográficas, 18 Distritos e 2 Regiões autónomas – , a conferir peso a um modelo enquadrado a uma distinta realidade regional do país, mesmo tendo em conta os benefícios que as várias autarquias locais trouxeram para as respectivas populações.
Pelos dados apresentados pela CNE 27, à pergunta lançada “ Concorda com a instituição em concreto das Regiões Administrativas “ 28, foi demonstrativo neste ato eleitoral, a significativa vitória do NÃO sobre o SIM, com mais 25,9% dos votos favoráveis ou seja, esta taxa percentual foi traduzida numa vantagem de 1.077.053 eleitores votantes. Comparativamente com os valores avançados no segundo referendo sobre a despenalização do aborto, onde está realçado um crescimento da participação eleitoral em relação ao primeiro realizado quatro meses antes deste em observação, percebe-se nitidamente que o referendo sobre a Regionalização acolheu maior participação eleitoral dos cidadãos exposta em 330.923 eleitores votantes, em conformidade com o exibido no Gráfico 2. Relativamente à segunda pergunta deste referendo, agora virada para espaço regional a incidir nas oito regiões – Entre Douro e Minho, Trás-os Montes e Alto Douro, Beira Litoral, Beira Interior, Estremadura e Ribatejo, Lisboa e Setúbal, Alentejo, Algarve – propostas pelo poder político aos portugueses “ Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de Recenseamento Eleitoral ? “ 29, a diferença situou-se praticamente na mesma bitola ou seja, a vitória do NÃO, verificou-se com mais 25,67 pontos percentuais e 1.070.886 de eleitores participantes neste sufrágio, sabendo-se que esta segunda pergunta deixou automaticamente de ter viabilidade institucional e eficácia vinculativa de criação das regiões administrativas, tal como era proposta neste referendo, a partir da derrota do SIM na primeira questão de âmbito nacional.
Gráfico no 2 : Comparação entre o número de Votantes no Referendo sobre a Regionalização e 2º Referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, realizados respectivamente em 08NOV98 e 11FEV07
Fonte : Acedido em http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/15.
Neste ato eleitoral referendário, realizado poucos meses depois do primeiro referendo sobre o aborto é patente que entre as três e únicas consultas ao povo realizadas em Portugal no período pós 25 de Abril com este mecanismo de democracia directa, o referendo sobre a Regionalização obteve o maior índice de participação eleitoral, tendo em conta que o assunto levantado, envolvia a vida e os interesses nacionais, regionais e locais de todos os portugueses e algum receio logo à partida que num País pequeno como o nosso, houvesse o risco de brechas relativamente à unidade nacional e por consequência no Estado e na própria independência de Portugal. Mas isso não apaga novamente a alta taxa de abstenção apresentada nos resultados finais desta consulta popular referendária a situar-se em 51,71%, isto é, 4.465.743 de cidadãos, abstiveram-se de ir às urnas e de participar nesta ato eleitoral. Acresce ainda a legitimação da desconfiança e do desinteresse neste ato eleitoral patentes com 57.050 votos brancos e 77.420 votos nulos, a representarem o total de 3,23 pontos percentuais de eleitores/as enquadrados/as nestas condições. Como demonstrado, houve neste referendo, uma ligeira descida na abstenção em relação ao anterior do mesmo ano sobre a IVG e a participação eleitoral, apesar de ter crescido com alguma notoriedade, continuou a ser baixa. Mas também não pôde deixar de ser verdade que houve maior empenhamento da actividade partidária na campanha que antecedeu esta consulta referendária ao povo português, “ sobretudo da parte do PS, e que as organizações partidárias, mais uma vez sobretudo o PS, apresentaram mensagens mais claras e unívocas (...) capazes de mobilizar os eleitores e de os ajudar a decidir. “ 30 Continuou a ser notório a divisão partidária e das suas elites dirigentes, agora também em torno desta temática igualmente com extensas problemáticas, a suscitar mais uma vez nos cidadãos nacionais, perplexidades, receios sobre todo este processo e falta de motivação para estarem presentes nesta consulta eleitoral. O PCP, propunha oito regiões, o PS nove. O PPD/PSD e CDS, liderados na altura por Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas opunham-se frontalmente à consecução desta reforma de capital importância para Portugal e nem sequer gostavam de tocar no assunto. Entrementes, os partidos à esquerda uniram-se em favor da Regionalização e acabam com maioria no Parlamento por aprovar a proposta para a formalização da Lei da Criação das Regiões Administrativas – Lei 19/98 de 28 de Agosto – que acabou por ser a alavanca motora para a realização deste referendo, com a proposta de oito regiões, mas com algumas diferenças em relação às sugeridas pelo PCP. Está então exposta mais uma vez, a evidência de que esta iniciativa partia da determinação das forças partidárias, reduzia o empenhamento dos cidadãos fora da atomização dos partidos políticos com assento parlamentar em Portugal, em terem por si próprios este tipo de iniciativas. Naturalmente que este processo trouxe à luz do dia, novamente divisões partidárias em especial na vida interna do PS, no fundo, o obreiro principal daquela iniciativa para a realização do referendo. Foi o caso mediático em que Fernando Gomes apareceu em evidência. Militante de longa data do PS e acérrimo defensor da Regionalização, o ex-Presidente da Câmara Municipal do Porto tornou público o seu desagrado pela forma incorrecta, deturpada e inoperacional como a direcção do partido liderada por António Guterres tinha conduzido o processo, levando o partido e todos os adeptos da Regionalização a uma vergada, concludente e vergonhosa derrota. " Quando faço a retrospectiva do que se passou, apenas um momento me deixa particularmente triste. Foi quando a direcção nacional do PS entendeu levar por diante, de uma forma tão pouco cuidada - para não dizer coisas piores - o processo de regionalização. E ao aceitar o referendo nacional, tivemos aquela tremenda derrota. Tremenda derrota do país e tremenda derrota no Norte", sustentou. “ 31
Não podemos deixar de salientar outro facto, a revelar alguma precipitação na condução deste processo, a entrar mesmo no caminho do inexplicável. Falamos na abstracção das gentes insulares e impacto negativo que este referendo teve na Madeira e nos Açores. Na visão de Filipe, “ o dado mais saliente é a fraquíssima participação registada nas regiões autónomas, o que se explica facilmente pelo facto de estar em causa unicamente a criação de regiões administrativas do continente. Não estava em causa a criação de nenhuma região administrativa no território das regiões autónomas, pelo que os cidadãos aí recenseados foram chamados a decidir sobre regiões a que eram alheios, e naturalmente, alhearam-se “ (Filipe, 2016: 543).
À evidente falta de informação para atenuar as dúvidas do cidadão comum, associa-se o debate sobre a regionalização, no qual “ é corrente a confusão de realidades muito diversas que pouco têm a ver umas com as outras. (...) Não é possível travar um debate sério acerca da regionalização sem ter em conta esta profunda diferenciação das realidades e modelos de regionalização. “ 32 Continuando a dissecar este relevante tema da actualidade política do País, Jorge Sá numa alusão critica ao referendo marcado para pouco tempo depois destas afirmações, alertava-nos com convicção de “ que o referendo a nível nacional sobre esta matéria coloca as regiões em que a vontade de regionalizar é intensa na dependência de outras em que pode ser menor . “ 33
Todavia mesmo com dúvidas, receios, falta de correta informação aos portugueses e com os partidos políticos mais uma vez e em especial os do arco do poder, a terem um papel proeminente na consecução e indicação do voto fracturado internamente, não podemos de maneira alguma pôr de lado “ que a regionalização poderá ser adequada para um país como Portugal, pois as identidades regionais coexistem em aparente harmonia com uma forte e estável identidade nacional. “ 34
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
2.1. O plebiscito constitucional de 19 de Março de 1933
“ Os defensores da democracia representativa temem a democracia plebiscitária, susceptível de degenerar em cesarismo. É assim com o estabelecimento do II Império em França, por Luís Napoleão. Também em Portugal António Oliveira Salazar faz aprovar a Constituição de 1933 através de um plebiscito nacional.“
José Adelino Maltez , Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, p.370.
Talvez não seja despiciendo recordar de estarmos na conjuntura de um período conturbado da vida nacional, tempo e espaço de fronteira à instituição de um regime opressor que até ao histórico dia 25 de Abril de 1974, foi carimbado e simbolizado pela Liberdade, como um machado que nos queria cercear a raiz ao pensamento. Um regime de quase meio século, dominador da acção livre humana, a sobrepujar violentamente a população no uso dos seus direitos, liberdades e garantias, apenas conquistados com aquela Revolução de Abril, e a conseguir manter-se durante esse longo período obscuro, “ porque se envolveu num nevoeiro facilitador da ocultação da realidade “ 13 , fazendo permanecer um País em pura ilusão óptica, disfarçando um atraso estrutural continuado, no fundo, modelos estratégicos básicos preferidos pelas elites detentoras do poder e do regime.
Realizada em 19 de Março de 1933, esta consulta popular obrigatória e exortada nos meandros do regime, estava ferida de morte logo à nascença. Um embuste estrategicamente delineado sob a batuta de Salazar para atingir por este meio, a legitimação dos seus fins, face ao verdadeiro propósito da participação directa dos cidadãos em que o factor do voto tácito para além do expresso era determinante no peso da opção do sim. Tal como nos refere Rosas , “ o voto era obrigatório, considerando-se como voto tácito concordante os abstencionistas que não provassem impedimento legal “ 14. Este cenário cinzento para a participação eleitoral dos cidadãos, inclinava-se para falsear um resultado que o poder político da época não queria que fosse propriamente livre, justo , transparente e democrático. Comprovando esta encenação realizada pelo regime, para Lopes Cardoso “ A Constituição de 1933, ela própria produto de uma farsa plebiscitária, em que as abstenções contavam como votos favoráveis, instituiu a Assembleia Nacional como um dos quatro Órgãos do Estado (...). 15 Um sistema eleitoral coxo, realizado com um tipo de sufrágio censitário e obrigatório que limitava o voto aos eleitores chefes de família com idade mínima de 21 anos, onde raramente se incluíam mulheres – não existem dados oficiais rigorosos dos quantitativos que o confirmem na realidade – que pagassem impostos, soubessem ler e escrever e fossem acima de tudo pessoas idóneas e leais ao regime isto é, sem delitos políticos. Numa declaração de princípios alusiva à sessão de 05 de Maio de 1932 do Conselho Político do regime, Salazar já considerava, mesmo com a realização desta consulta popular nacional que “ (...) o povo não esteja, na sua grande maioria, apto para votar em perfeita consciência o texto completo da Constituição, o seu voto de confiança nos seus dirigentes. “ 16 Estava então traçado o destino de um povo que apenas deveria saber ler, escrever e contar. Esta consulta plebiscitária, foi constituída a partir de um universo eleitoral de 1.300.000 cidadãos com capacidade para votar e aprovou o novo texto constitucional com 719.364 votos a favor, 487.374 abstenções e votos em branco e finalmente 5.995 votos contra. As abstenções e a entrega de votos em branco como anteriormente indicado “ - onde constava a pergunta "Aprova a Constituição da República Portuguesa? " - contava como um "sim", enquanto que o "não" deveria ser expressamente escrito. O sufrágio era obrigatório e muitas das liberdades fundamentais foram restringidas. “ 17 . Estava dado então o mote para o nascimento do Estado Novo, a constranger durante 41anos os portugueses a viver nas celas do obscurantismo.
2.2. Os referendos à despenalização do aborto (IVG) em 28 de Junho de 1998 e 11 de Fevereiro de 2007
“ Do lat. referendus, coisa que deve ser relatada. Pergunta directamente feita ao
povo cuja resposta se torna vinculativa. Uma forma de democracia directa, admitida
pela democracia representativa. “
José Adelino Maltez , Abecedário de Teoria Política. Ideias e Autores dos Séculos
XIX e XX. Pela Santa Liberdade I. Lisboa: ISCSP, 2014, Idem Ibidem.
Em Portugal foram realizados dois referendos nacionais em torno da despenalização sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG) e com a mesma pergunta feita aos cidadãos: “ Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? “18. A primeira consulta sobre esta temática que ainda hoje divide os portugueses foi efetuada no dia 28 de Junho de 1998. A segunda quase nove anos depois, teve a data da sua realização em 11 de Fevereiro de 2007. Esta diferença no tecido do espaço tempo, foi reflectida igualmente na dos indicadores anunciados pela Comissão Nacional de Eleições 19. Compreende-se sem dificuldade que em relação ao primeiro referendo houve aumento de participação, a reflectir automaticamente no interesse que os cidadãos manifestaram neste segunda consulta referendária em relação à primeira. Naquela, ao contrário desta, o SIM venceu o NÃO com uma diferença de 18,5%, enquanto que no primeiro referendo, esta diferença não foi tão acentuada, a luta foi renhida com valores quase iguais e o NÃO venceria apenas com uma ligeira vantagem de 1,79 %, a reflectir equilíbrio de duas opiniões contrárias, uma divisão de ideias manifestada com indicadores próximos um do outro. Realçando nesta análise a variável número de votantes, é demonstrativo a diferença substancial entre os números de um e outro referendo, traduzida com mais 1.130.673 de cidadãos presentes na votação da consulta referendária nacional de 2007, como se pode aliás constatar no Gráfico 1.
Gráfico no 1 : Nº de Votantes no 1º e 2º Referendos sobre a despenalização da interrupção voluntária
da gravidez, realizados respectivamente em 28JUN98 e 11FEV07
Fonte : acedido em http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/15.
Os dados analisados permite-nos induzir algumas conclusões, nomeadamente entendermos que foram sobretudo os partidos políticos com assento parlamentar, as sua elites dirigentes, e a acção de desenvolvida por alguns elementos dos executivos nos períodos supracitados, os protagonistas da mobilização manca e pouco conseguida para granjear a adesão das populações e arrastar as massas durante o tempo de campanha pelo SIM ou NÃO, onde cada um daqueles tomava a sua posição sendo evidente as manifestas clivagens esgrimidas no seio partidário, em particular nos Partidos do arco do Poder em Portugal ou seja Governo e Oposição que têm sido regularmente assentes na alternativa entre Partido Socialista (PS) e Partido Popular Democrático/Partido Social Democrata (PPD/PSD). Outra conclusão que não podemos deixar de referir foram as altas taxas de abstenção que nestes dois referendos se situaram na média dos 62,27%, valores aliás, superiores aos anunciados nas
eleições nacionais e também em alguns actos eleitorais para a escolha dos nossos representantes no Parlamento Europeu.
O no 11 do Artigo 115º da CRP que dá a força jurídica ao Artigo 240º da Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR) – Lei no15-A/98, de 3 de Abril –, faz-nos saber que para um referendo ser aprovado e ter efeito vinculativo na Lei, precisa da força do “ número de votantes superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. “ 20 No entanto isto não impediu o primeiro-ministro desta época, José Sócrates, de acatar o resultado para ser passado à prática legislativa. É de referir que a própria legislação já garantia a possibilidade da realização do aborto em caso de risco eminente para a saúde da mãe, do feto ou de ambos. Com a nova legislação, fruto da validação determinada pelo chefe do executivo para fazer fé legislativa, mesmo com 56,39% de abstenções, permitiu-se um período de consciente reflexão das mães para consumar ou não, a interrupção voluntária da gravidez.
Para além dos altos níveis de abstenção, também no primeiro referendo realizado em 1998, a campanha foi protagonizada pelo débil envolvimento e dinamismo da parte do Partido Socialista, dividido internamente fruto da posição do seu líder António Guterres na orientação do voto NÃO, uma escolha contextualizada às suas convicções religiosas e de ser um católico praticante, indo ao encontro da inculcação das elites religiosas, partidos à direita e das forças conservadoras da sociedade civil, a exortarem o voto naquele sentido, enfraquecendo substancialmente as forças ideológicas sociais e partidárias viradas à esquerda, nomeadamente o Partido Comunista Português, mas sobretudo o próprio PS. Freire dando ênfase a estes acontecimentos, refere-nos “ um fraco empenhamento do PS na campanha, fruto das suas divisões internas. Pelo contrário, apesar de existirem também divisões no PSD, a vontade de derrotar o PS sobrepôs-se a tais divisões e a direita apresentou-se basicamente unida (exceptuando algumas vozes discordantes, pouco audíveis). (...) o PS fez uma campanha dividida entre o «sim» (da maior parte do partido) e o «não» (do secretário-geral e dos sectores católicos), facto que serviu para confundir os eleitores e, nomeadamente, para os
desmobilizar. (...), o campo do «não» contou com um poderosíssimo aliado, a Igreja Católica, uma organização com fortíssima implantação no terreno. “21 A verdade é que toda esta conjuntura provocou na generalidade da sociedade portuguesa incertezas “ sobre a possibilidade de os referendos, enquanto instrumentos típicos da democracia directa e/ou participativa, poderem efectivamente funcionar como elementos de renovação da democracia representativa em Portugal, pois a adesão dos cidadãos tinha sido bastante fraca, em qualquer caso inviabilizando a validade jurídica dos dois referendos realizados em 1998. “ 22
Já o referendo de 2007, para além da participação dos tradicionais partidos portugueses que se dirimem em torno destas questões, houve igualmente a organização de diversos movimentos sociais que pressionaram com eficácia através das campanhas em favor do SIM, o espaço mediático, onde por exemplo na televisão, todos os intervenientes legalmente instituídos, tinham igual direito de antena. Desta vez, o líder do PS, agora José Sócrates no auge do seu poder, envolve-se directamente na campanha exortando à participação e ao voto no SIM e as tradicionais forças conservadoras perderam força argumentativa pelas indecisões e falta de novos argumentos para persuadirem o voto no NÃO. Freire ainda nesta linha de força, diz-nos que “ Quanto aos partidos, as principais diferenças residem nas mudanças de posição do PS e do PSD. No primeiro caso, há agora um claro empenhamento na despenalização da IVG, ao contrário do que se passou em 1998. (...), o empenhamento dos dirigentes do PS, nomeadamente do líder, dos seus autarcas e do partido em geral é, além de tudo o mais, o cumprimento de uma promessa eleitoral. “23 O mesmo autor também não esqueceu que em 1998, Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado por Marques Mendes, “ liderou o PSD pelo «não»; agora pedem que não se partidarize a campanha: haja memória e decoro! (...) Em 1998, o PSD defendeu abertamente o «não» , mas agora apresenta - se sem posição oficial e sem indicação de voto “.24
Em 2007, a força da abstenção inverteu a tendência do anterior referendo. Além disso, as forças partidárias conservadoras, à direita e da Igreja, não conseguiram nesse ano, aglutinar no mesmo campo os seus habituais acólitos. “ O «não» não mudou de campo, consentiu a vitória do «sim» abstendo-se mais. Melhor: os eleitores do «não» não quiseram ou não puderam contrariar a maior eficácia das forças do «sim» na mobilização dos seus constituintes e a maior determinação destes em votar. E não foi por falta de mobilização externa, exceptuando as hesitações (e a fraca mobilização) do PSD. “25 Á guisa de conclusão e apontando a sua direcção para a responsabilidade dos partidos políticos do arco do poder em Portugal, Freire elucida-nos que “ (...) os partidos políticos se apresentaram, em 2007, geralmente mais empenhados na contenda, exceptuando talvez o PSD (cuja actuação ficou marcada por várias hesitações e indecisões). Ou seja, dos referendos de 1998 para o de 2007 parece ter havido um efeito de aprendizagem cívica por parte dos vários intervenientes (cidadãos individualmente considerados: eleitores; cidadãos colectivamente organizados em movimentos cívicos; outras organizações da sociedade civil; partidos políticos) na utilização deste instrumento típico da democracia participativa, nomeadamente incorporando nas respectivas acções desenvolvidas em 2007, lições extraídas dos erros cometidos em 1998. Abrem-se, portanto, novas perspectivas para a utilização deste tipo de instrumentos enquanto elementos de renovação da democracia representativa em Portugal. “ 26
2.3. O referendo sobre a Regionalização em 08 de Novembro de 1998
“ Bem se sabe que se verificam no nosso país diferenças de bem-estar e desenvolvimento económico tais que permitem a uns, nos distritos do litoral entre Setúbal e Braga e na costa do Algarve, viver com acesso a muito do melhor que a sociedade moderna pode oferecer, enquanto outros em áreas extensas dos distritos do interior e do sul se vêem sujeitos a limitações de vida e a privações que temos de reconhecer impróprios nos tempos em que vivemos.”
Óscar Soares Barata In : Sessão de Abertura , Forum 2000/Renovar a Administração.
Lisboa: ISCSP, 1997, p.12.
No ano de 1998, dia 08 de Novembro é realizado um novo referendo, agora sobre mais um tema que continua ainda na ordem do dia a bipolarizar de alguma maneira o sentido ideológico e as conveniências dos portugueses. Não será até despiciendo pensarmos na hipótese de acontecer a breve prazo, idêntico processo de consulta ao povo português sobre uma nova divisão administrativa e territorial do País, uma delimitação de fronteiras com outros espaços territoriais, maior autonomia política, económica e financeira em relação ao poder central comparativamente ao que se verifica na actualidade – com uma divisão embrulhada em 11 Regiões Geográficas, 18 Distritos e 2 Regiões autónomas – , a conferir peso a um modelo enquadrado a uma distinta realidade regional do país, mesmo tendo em conta os benefícios que as várias autarquias locais trouxeram para as respectivas populações.
Pelos dados apresentados pela CNE 27, à pergunta lançada “ Concorda com a instituição em concreto das Regiões Administrativas “ 28, foi demonstrativo neste ato eleitoral, a significativa vitória do NÃO sobre o SIM, com mais 25,9% dos votos favoráveis ou seja, esta taxa percentual foi traduzida numa vantagem de 1.077.053 eleitores votantes. Comparativamente com os valores avançados no segundo referendo sobre a despenalização do aborto, onde está realçado um crescimento da participação eleitoral em relação ao primeiro realizado quatro meses antes deste em observação, percebe-se nitidamente que o referendo sobre a Regionalização acolheu maior participação eleitoral dos cidadãos exposta em 330.923 eleitores votantes, em conformidade com o exibido no Gráfico 2. Relativamente à segunda pergunta deste referendo, agora virada para espaço regional a incidir nas oito regiões – Entre Douro e Minho, Trás-os Montes e Alto Douro, Beira Litoral, Beira Interior, Estremadura e Ribatejo, Lisboa e Setúbal, Alentejo, Algarve – propostas pelo poder político aos portugueses “ Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de Recenseamento Eleitoral ? “ 29, a diferença situou-se praticamente na mesma bitola ou seja, a vitória do NÃO, verificou-se com mais 25,67 pontos percentuais e 1.070.886 de eleitores participantes neste sufrágio, sabendo-se que esta segunda pergunta deixou automaticamente de ter viabilidade institucional e eficácia vinculativa de criação das regiões administrativas, tal como era proposta neste referendo, a partir da derrota do SIM na primeira questão de âmbito nacional.
Gráfico no 2 : Comparação entre o número de Votantes no Referendo sobre a Regionalização e 2º Referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, realizados respectivamente em 08NOV98 e 11FEV07
Fonte : Acedido em http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/15.
Neste ato eleitoral referendário, realizado poucos meses depois do primeiro referendo sobre o aborto é patente que entre as três e únicas consultas ao povo realizadas em Portugal no período pós 25 de Abril com este mecanismo de democracia directa, o referendo sobre a Regionalização obteve o maior índice de participação eleitoral, tendo em conta que o assunto levantado, envolvia a vida e os interesses nacionais, regionais e locais de todos os portugueses e algum receio logo à partida que num País pequeno como o nosso, houvesse o risco de brechas relativamente à unidade nacional e por consequência no Estado e na própria independência de Portugal. Mas isso não apaga novamente a alta taxa de abstenção apresentada nos resultados finais desta consulta popular referendária a situar-se em 51,71%, isto é, 4.465.743 de cidadãos, abstiveram-se de ir às urnas e de participar nesta ato eleitoral. Acresce ainda a legitimação da desconfiança e do desinteresse neste ato eleitoral patentes com 57.050 votos brancos e 77.420 votos nulos, a representarem o total de 3,23 pontos percentuais de eleitores/as enquadrados/as nestas condições. Como demonstrado, houve neste referendo, uma ligeira descida na abstenção em relação ao anterior do mesmo ano sobre a IVG e a participação eleitoral, apesar de ter crescido com alguma notoriedade, continuou a ser baixa. Mas também não pôde deixar de ser verdade que houve maior empenhamento da actividade partidária na campanha que antecedeu esta consulta referendária ao povo português, “ sobretudo da parte do PS, e que as organizações partidárias, mais uma vez sobretudo o PS, apresentaram mensagens mais claras e unívocas (...) capazes de mobilizar os eleitores e de os ajudar a decidir. “ 30 Continuou a ser notório a divisão partidária e das suas elites dirigentes, agora também em torno desta temática igualmente com extensas problemáticas, a suscitar mais uma vez nos cidadãos nacionais, perplexidades, receios sobre todo este processo e falta de motivação para estarem presentes nesta consulta eleitoral. O PCP, propunha oito regiões, o PS nove. O PPD/PSD e CDS, liderados na altura por Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas opunham-se frontalmente à consecução desta reforma de capital importância para Portugal e nem sequer gostavam de tocar no assunto. Entrementes, os partidos à esquerda uniram-se em favor da Regionalização e acabam com maioria no Parlamento por aprovar a proposta para a formalização da Lei da Criação das Regiões Administrativas – Lei 19/98 de 28 de Agosto – que acabou por ser a alavanca motora para a realização deste referendo, com a proposta de oito regiões, mas com algumas diferenças em relação às sugeridas pelo PCP. Está então exposta mais uma vez, a evidência de que esta iniciativa partia da determinação das forças partidárias, reduzia o empenhamento dos cidadãos fora da atomização dos partidos políticos com assento parlamentar em Portugal, em terem por si próprios este tipo de iniciativas. Naturalmente que este processo trouxe à luz do dia, novamente divisões partidárias em especial na vida interna do PS, no fundo, o obreiro principal daquela iniciativa para a realização do referendo. Foi o caso mediático em que Fernando Gomes apareceu em evidência. Militante de longa data do PS e acérrimo defensor da Regionalização, o ex-Presidente da Câmara Municipal do Porto tornou público o seu desagrado pela forma incorrecta, deturpada e inoperacional como a direcção do partido liderada por António Guterres tinha conduzido o processo, levando o partido e todos os adeptos da Regionalização a uma vergada, concludente e vergonhosa derrota. " Quando faço a retrospectiva do que se passou, apenas um momento me deixa particularmente triste. Foi quando a direcção nacional do PS entendeu levar por diante, de uma forma tão pouco cuidada - para não dizer coisas piores - o processo de regionalização. E ao aceitar o referendo nacional, tivemos aquela tremenda derrota. Tremenda derrota do país e tremenda derrota no Norte", sustentou. “ 31
Não podemos deixar de salientar outro facto, a revelar alguma precipitação na condução deste processo, a entrar mesmo no caminho do inexplicável. Falamos na abstracção das gentes insulares e impacto negativo que este referendo teve na Madeira e nos Açores. Na visão de Filipe, “ o dado mais saliente é a fraquíssima participação registada nas regiões autónomas, o que se explica facilmente pelo facto de estar em causa unicamente a criação de regiões administrativas do continente. Não estava em causa a criação de nenhuma região administrativa no território das regiões autónomas, pelo que os cidadãos aí recenseados foram chamados a decidir sobre regiões a que eram alheios, e naturalmente, alhearam-se “ (Filipe, 2016: 543).
À evidente falta de informação para atenuar as dúvidas do cidadão comum, associa-se o debate sobre a regionalização, no qual “ é corrente a confusão de realidades muito diversas que pouco têm a ver umas com as outras. (...) Não é possível travar um debate sério acerca da regionalização sem ter em conta esta profunda diferenciação das realidades e modelos de regionalização. “ 32 Continuando a dissecar este relevante tema da actualidade política do País, Jorge Sá numa alusão critica ao referendo marcado para pouco tempo depois destas afirmações, alertava-nos com convicção de “ que o referendo a nível nacional sobre esta matéria coloca as regiões em que a vontade de regionalizar é intensa na dependência de outras em que pode ser menor . “ 33
Todavia mesmo com dúvidas, receios, falta de correta informação aos portugueses e com os partidos políticos mais uma vez e em especial os do arco do poder, a terem um papel proeminente na consecução e indicação do voto fracturado internamente, não podemos de maneira alguma pôr de lado “ que a regionalização poderá ser adequada para um país como Portugal, pois as identidades regionais coexistem em aparente harmonia com uma forte e estável identidade nacional. “ 34
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
7) Sá, Jorge de (2009) – Quem se Abstém? Segmentação e Tipologia dos Abstencionistas Portugueses (1998 – 2008). Lisboa: Campo da Comunicação, p. 82.
8) Idem Ibidem, p. 25.
9) Idem Ibidem, p.27.
10) Canotilho , J.J.Gomes & Moreira, Vital (2008 ) – Constituição da República Portuguesa e Lei do Tribunal Constitucional –. 8a Edição, Coimbra : Coimbra Editora, pp. 75-79.
11) André Freire (organizador) (2007) – Sociedade Civil, Democracia Participativa e Poder Político. Lisboa : Fundação Friedrich Ebert , p. 15
12) Canotilho , J.J.Gomes & Moreira, Vital (2008 ) – no 1 e 3 do Artigo 115o, Constituição da República Portuguesa e Lei do Tribunal Constitucional,–. 8a Edição, Coimbra : Coimbra Editora, p. 79.
13) Pinto, José Filipe (2011) – Segredos do Império da Ilusitânia: A Censura na Metrópole e em Angola. . Coimbra : Almedina , p. 9.
14) Mattoso, José (dir.) & Rosas, Fernando ( coord.) (1998) – O Estado Novo. Lisboa: Editorial Estampa, p. 187.
14) Mattoso, José (dir.) & Rosas, Fernando ( coord.) (1998) – O Estado Novo. Lisboa: Editorial Estampa, p. 187.
15) Cardoso, António Lopes (1993) – Os Sistemas Eleitorais. Lisboa: Edições Salamandra, pp. 71-72.
16) acedido em http://150anos.dn.pt/2014/07/31/1933-plebiscito-a-constituicao/, consulta a 08/07/19.
17) Acedido em http://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/OEstadoNovo5.aspx, consulta a 08 e 09/07/19 .
18) Acedido http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/15.
19) Idem Ibidem.
20 Mendes, Maria de Fátima Abrantes (2006) – Lei Orgânica do Regime do Referendo. Actualizada, Anotada e Comentada. Lisboa: CNE, p.182.
21 Freire, André (org.) (2008) – Sociedade Civil, Democracia Participativa e Poder Político. O Caso do Referendo do Aborto, 2007. Lisboa: Fundação Friedrich Ebert , p.48.
22 Idem Ibidem , p.16.
23 Idem Ibidem, pp.53-54.
24) Idem Ibidem, p.78.
25) Idem Ibidem , pp.64-65.
26) Idem Ibidem , p.16.
27) http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/17
28) Idem Ibidem.
29) Idem Ibidem.
30 André Freire, acedido em http://pt.mondediplo.com/spip.php?article400, consulta em 12/JUL/16.
31)Acedido em http://www.rtp.pt/noticias/politica/fernando-gomes-responsabiliza-ps-pela-derrota-no-referendo-da-regionalizacao-em-1998_n801285#sthash.TMZosSgt.dpuf, consulta a 12/07/15.
32) Sá, Luís (1997). In : FORUM 2000/RENOVAR A ADMINISTRAÇÃO – Regionalização e Desenvolvimento. Lisboa:
ISCSP, p.27.
33) Idem Ibidem, p.43 .
34) André Freire, acedido em dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/2654642.pdf, consulta a12/07/17.
16) acedido em http://150anos.dn.pt/2014/07/31/1933-plebiscito-a-constituicao/, consulta a 08/07/19.
17) Acedido em http://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/OEstadoNovo5.aspx, consulta a 08 e 09/07/19 .
18) Acedido http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/15.
19) Idem Ibidem.
20 Mendes, Maria de Fátima Abrantes (2006) – Lei Orgânica do Regime do Referendo. Actualizada, Anotada e Comentada. Lisboa: CNE, p.182.
21 Freire, André (org.) (2008) – Sociedade Civil, Democracia Participativa e Poder Político. O Caso do Referendo do Aborto, 2007. Lisboa: Fundação Friedrich Ebert , p.48.
22 Idem Ibidem , p.16.
23 Idem Ibidem, pp.53-54.
24) Idem Ibidem, p.78.
25) Idem Ibidem , pp.64-65.
26) Idem Ibidem , p.16.
27) http://eleições.cne.pt, consulta a 09, 10 e 11/07/17
28) Idem Ibidem.
29) Idem Ibidem.
30 André Freire, acedido em http://pt.mondediplo.com/spip.php?article400, consulta em 12/JUL/16.
31)Acedido em http://www.rtp.pt/noticias/politica/fernando-gomes-responsabiliza-ps-pela-derrota-no-referendo-da-regionalizacao-em-1998_n801285#sthash.TMZosSgt.dpuf, consulta a 12/07/15.
32) Sá, Luís (1997). In : FORUM 2000/RENOVAR A ADMINISTRAÇÃO – Regionalização e Desenvolvimento. Lisboa:
ISCSP, p.27.
33) Idem Ibidem, p.43 .
34) André Freire, acedido em dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/2654642.pdf, consulta a12/07/17.
OS MECANISMOS DE DEMOCRACIA DIRECTA EM PORTUGAL E O CASO DA PETIÇÃO EM 2009 SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990
1. INTRODUÇÃO
“ (...) face à degenerescência da democracia actual, os homens ainda não conseguiram encontrar o equilíbrio , a organização ideal da sociedade que permita a expressão da vontade geral na feitura de leis e a participação voluntária dos cidadãos no processo político.
Por outro lado, subsiste a dúvida sobre a vontade e a capacidade do cidadão comum participar na vida política do seu país contribuindo para o processo de decisão. “
Sónia M. Pedro Sebastião , A Democracia Directa ainda interessa ? O Caso Suíço.
Lisboa: ISCSP, 2005, p.40.
Num estudo elaborado e traduzido em relatório pelo Economist Intelligence Unit –1 Democracy Index 2018 –, que mede a condição e qualidade das democracias no ano transacto (2017) em 167 países, Portugal ocupa o 33º lugar no ranking das democracias a nível global, situando-se no quadro das democracias imperfeitas (flawed democracies). Para além desta categoria, existem mais três tipos de regimes que definem o estado das democracias mundiais: democracias consolidadas ou plenas (full democracies ), regimes híbridos (hibrid regimes) e regimes autoritários (authoritarian regimes). Fazendo-se uma síntese analítica comparativa, facilmente entendemos que numa escala de 0 a 10, o nosso País apresenta uma pontuação geral de 7,79, valor aquém da Noruega, com 9,93, Suécia, 9,73,
Islândia, 9,58, respectivamente, os três primeiros desta lista de 24 países, integrados no conjunto das democracias consolidadas ou plenas. A nossa vizinha Espanha, posiciona-se neste grupo mas em 22º lugar com 8,05. Na nossa ordenação é curioso destacar Cabo Verde, dois lugares acima de Portugal – 31º –, com um índice geral de mais duas centésimas ou seja 7,81 e o Brasil, situado na 44ª posição, com valores gerais de 7,38. Turquia em 98 o lugar, com 5,12 de resultado médio, Venezuela, 100º com 4,95, Bósnia Herzegovina, 103º com 4,78 e Moçambique, 107º com 4,66, são quatro dos 39 países, integrados na categoria de regimes híbridos. Descendo ainda mais na tabela pela negativa, encontramos a classe dos regimes autoritários, a abranger 52 países. Exemplificamos quatro deles a saber:
– Rússia em 132º lugar, com 3,39 de pontuação geral;
– Angola, 133º, com 3,35;
– Guiné-Bissau, nono lugar a contar do fim ou seja 159º e com 1,93 de cotação geral;
– Coreia do Norte na última posição – 167º –, com a avaliação geral de 1,08.
Esta classificação está ainda dimensionada com cinco indicadores: Participação Política, Funcionamento/Comportamento do Governo, Cultura Política, Processo Eleitoral e Pluralismo e Liberdades Civis. Registe-se os respectivos valores para Portugal: 6,67, 6,43, 6,88, 9,58 e 9,41.
Cotejando Giddens, é emergente credibilizarmos e melhorarmos a democracia no âmbito desta Aldeia Global de espaços cada vez mais exíguos, dentro dos trâmites da tolerância e da diversidade cultural e étnica, companheiras eternas dos sistemas políticos democráticos, até porque “ (...), vivemos numa época em que a democracia está a estender-se a todo o mundo. A globalização está por detrás desta expansão da democracia. Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, põe a nu os limites das estruturas democráticas que nos são mais familiares, nomeadamente as estruturas da democracia parlamentar. Temos de democratizar ainda mais as estruturas já existentes e de o fazer de forma a responder às exigências da era global “2
.
O sistema político em Portugal, depara-se actualmente corroído por uma crise conjuntural de valores e princípios, consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP). Concernente com a problemática aqui exposta, sublinhe-se contudo que as sete revisões constitucionais – 1982,1989,1992,1997,2001,2004,2005 – da Lei Fundamental, ainda não conseguiram inverter as regras do tabuleiro jurídico do nosso Estado de Direito Democrático, e de apenas por exemplo, se acolher a iniciativa popular da proposta do referendo, com petição não obrigatória, sob a dependência do consentimento formal dos deputados eleitos por sufrágio directo e universal, num sistema eleitoral enlaçado ao método de escrutínio proporcional segundo a fórmula de Hondt , onde os votos são traduzidos em mandatos para o Parlamento da Assembleia da República e que, permite pequenos partidos terem possibilidade de ganhar representação parlamentar, num processo de eleições ditas competitivas e livres , a corresponder a um regime político onde predominam vários critérios de uma democraticidade a roçar o medíocre e onde as regras do jogo democrático são amiúde desrespeitadas, numa constante dinâmica do funcionamento do sistema político actual, liderado por uma nova classe de elites dirigentes, sob o cunho do respectivo directório partidário mas aquém dos reais interesses dos cidadãos/ãs .
Os mecanismos de democracia directa em Portugal, título principal deste ensaio e correlato à temática e problemáticas propostas, é também o seu objecto fundamental, o construído ou seja o objecto de estudo. Ele está consubstanciado à particularidade de uma reflexão crítica e analítica sobre o caso da Petição em 2009 que tinha por escopo a correcção ou mesmo a anulação jurídica do Acordo Ortográfico formalizado em 1990.
Exposto o objecto de estudo e à luz de uma perspectiva racional e analítica fundamentada, ao arrepio da emoção, do juízo de valor ou dos aforismos do senso comum, destinados ao julgamento de factos e pessoas, dentro de uma atitude não de distanciamento, submissão mas de análise crítica, este texto, tem como horizonte primeiro ou seja, como objectivo geral, o mais abrangente, procurar dar resposta à Pergunta de Partida, formulada e a saber:
– os mecanismos de democracia directa em Portugal são dentro da democracia representativa, nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da Lei, instrumentos de democracia participativa, fora da lógica partidária, à disposição dos cidadãos ou acima de tudo, existem como ferramentas jurídicas de instrumentalização política sob o monopólio do Poder Político em Portugal?
Isto é, desconstruindo o objectivo geral e pegando em cinco momentos históricos da participação directa dos cidadãos a nível nacional no processo político da tomada de decisão, dando especial ênfase à Petição germinada em 2009 sobre o Acordo Ortográfico institucionalizado em 1990, este ensaio pretende:
– analisar o impacto geral que esta Iniciativa Legislativa Popular teve em Portugal, um acontecimento que na época, foi aludido por Vasco Graça Moura como o triunfo da petição;
– compreender em termos gerais se a acção desenvolvida na prática pelos partidos políticos com assento parlamentar em Portugal, muito em particular a sua classe política dirigente, potencia ou não o bloqueamento em Portugal dos mecanismos de democracia directa ao dispor dos cidadãos nacionais e por consequência, condiciona um dos seus exercícios de cidadania consignados na Lei Fundamental: a participação directa na tomada de decisão – Artigo 109º ( participação política dos cidadãos ) da CRP –3
Respeita-se deste modo o denominado método da pirâmide invertida, avançando e identificando a partir do geral, até chegar ao particular ou seja, a um breve e possível estudo de caso proposto e referido anteriormente. É o denominado método de “ (...) aproximações sucessivas, e que tem a particularidade de fornecer provas e contraprovas aos seus argumentos (...)“ 4
.
A democracia directa como estrutura política, face à amplitude geográfica e física dos Estados contemporâneos, tem sido estudada excepcionalmente, trilhada por caminhos ínvios, atomizada de preconceitos e análises tendenciosas de instrumentalização política, factores correlatos à patente dificuldade em adquirir personalidades bibliográficas sobre a temática e a problemática propostas, existindo a imperiosa necessidade de constante análise e investigação de estudos e dados empíricos, transversais a diversas áreas do saber das ciências sociais já realizados, e, o recurso a fontes escassas e quão complexas de obter, sabendo-se também que em Portugal, a transposição dos mecanismos de democracia directa para o seu sistema jurídico e político, não tem tido na generalidade, muitos simpatizantes e admiradores, circunstância adversa, motivada quiçá, essencialmente pela falta de informação e de um eleitorado genericamente ainda pouco maduro, com limitada educação política, sabendo – se que o grau de alfabetização está directamente proporcional com a qualidade da contestação, informada e sustentada. Além disso é histórico o fraco associativismo dos portugueses em torno de relevantes decisões do País, algumas com características de desígnio nacional e onde o Estado, tem sido o pai e o castelo protector de uma população, na generalidade pouco interessada em assuntos políticos, salvo algumas excepções. São raízes advindas do período da fundação da nacionalidade. Continua por isso a fazer todo o sentido retomar hoje Eça de Queirós: “ A classe média vive do Estado. A velhice conta com ele como condição da sua vida. Logo desde os primeiros exames no liceu, a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia da sua tranquilidade. (...) A própria indústria faz-se proteccionar pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado. A imprensa até certo ponto vive do Estado. A ciência depende do Estado. O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas; é a ocupação natural das mediocridades; é o usufruto da burguesia. Ora como o Estado, pobre, paga tão pobremente que ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma fatalidade. “ 5 E relativamente ao desinteresse dos portugueses na participação directa e activa na vida política e nos processos de tomada de decisão do seu país, o ilustre académico Fernando Pereira Marques, lembra-nos que a permanente “ oscilação, quase esquizofrénica, entre um insuficiente individualismo e um excesso de anti-solidarismo, manifesta-se através de várias atitudes e práticas de resistências ao alargamento da esfera do público que condicionam o processo modernizador (...). Mas o que aqui interessa destacar, sejam quais forem os factores que para tal contribuam, é o incivismo, ou o anti-solidarismo, para retomar a expressão usada, que continua a marcar a vida colectiva dos portugueses. “ 6 Acresce a estas realidades, a circunstância de no sistema educativo nacional, ser débil ou quase nula a abordagem sobre este tema. Contudo, deve - se saudar o aparecimento da Unidade Curricular de Ciência Política no programa do ensino secundário, ainda que escasso e limitativo. Estas linhas de força, são alicerçadas no xadrez constitucional cujo tabuleiro, ainda pouco põem à disposição dos cidadãos, de modo a usufruírem de pleno direito, do exercício dos mecanismos de democracia directa em Portugal. Face ao que antecede, não será despropositado reflectir-se sobre a produção de uma nova Revisão Constitucional que garanta o absoluto exercício dos direitos de cidadania, nomeadamente no processo da tomada de decisão relativo às políticas quer públicas, quer económicas ou financeiras.
O registo deste ensaio, apresenta uma estrutura que para além desta Introdução ancora ainda dois Títulos, residindo no terceiro, a centralidade e o culminar desta recensão crítica e analítica, três subtítulos e encerra com as concernentes conclusões ou seja, o atar das pontas, a ideia explicitada, a súmula final, o voltar ou a resposta à Pergunta de Partida, enfim , o nosso ponto de destino.
António Carlos Dietrich Lopes
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
Sarg. Chefe no Exército Português
Mestre de Ciência Política
1 Democracy Index 2018. Democracy and its discontents. A Report from the Economist Intelligence Unit. London, The Economist, p.8
2 Giddens, Anthony (2012) – O Mundo na Era da Globalização . Lisboa : Editorial Presença , p. 18.
3 Canotilho , J.J.Gomes & Moreira, Vital (2008 ) – Constituição da República Portuguesa e Lei do Tribunal Constitucional –. 8a Edição, Coimbra : Coimbra Editora, pp. 75-76.
4 Bessa, António Marques (1993) – Quem Governa ? Uma Análise Histórico - Política do Tema da Elite. . Lisboa : ISCSP , p. 186.
5 Queirós, Eça de, (2004) – As Farpas ( coord de Maria Filomena Mónica) . Lisboa: Principia, pp.29-30.
6 Marques, Fernando Pereira, (2010) – Sobre as Causas do Atraso Nacional. Contributos para uma Arqueologia . Lisboa:
Coisas de Ler, pp.303-350.
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